Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCI)

Chã de Álvares, 24 de fevereiro de 2042

Lá, pelos idos de vinte, a Lei de Bases dizia-nos que a educação era dever da família, da sociedade e do Estado, através da escola. Inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, a lei reafirmava que a educação tinha por finalidade o pleno desenvolvimento do educando. 

Decorridas muitas décadas sobre a data da sua publicação, ainda lidávamos com os efeitos do analfabetismo funcional, com a exclusão escolar e social e com outras manifestações de subdesenvolvimento educacional. O rendimento escolar mantinha-se num nível muito baixo e era um dado preocupante, dado que a maiores investimentos, à introdução de inúmeros projetos de “intencional melhoria do sistema” e à intensificação das ações de formação de professores, não correspondia um significativo aumento dos índices de aprendizagem. 

Se os resultados não correspondiam à proposta da lei vigente, isso se ficava a dever… ao “sistema”. Não bastava mudar as leis, por melhores que fossem as alterações. Somente conseguiríamos melhorar a educação dos nossos jovens, quando mudássemos as práticas. 

A reprodução do modelo dessa escola, universalmente conhecida, era tão aceite pela sociedade que, raramente, despertava possibilidade de pensá-la diferente. Estruturado há mais de duzentos anos, o modelo se reproduzia de forma tão natural, que parecia perpetuar-se. A sua estrutura e funcionamento remontavam ao tempo da Primeira Revolução Industrial e atendia às características fabris – bancadas individuais, sinais sonoros marcando os tempos de trabalho, fragmentação do objeto a ser fabricado – e a necessidades sociais do século XIX. 

A fragmentação materializara-se no currículo. Organizado em disciplinas, o conhecimento foi recortado, tornando quase impossível a compreensão das relações entre as partes. O conhecimento dividido era “ensinado” ao longo do ano letivo, por etapas: ano, bimestre, trimestre, semestre, sem que se percebesse quaisquer indícios de fundamentação científica para tal prática. 

Se a família terceirizava a educação dos seus filhos e a escola não ensinava, uma sociedade doente considerava normal que assim fosse. A normose instalara-se, porque todo hábito, uma vez adquirido, se afundava no subconsciente, transmitido pela educação familiar, social e escolar. A crença nas virtudes da velha escola mantinha os professores na ilusão de uma possível melhoria de um modelo educacional em acelerada decomposição. 

As medidas de política educacional sofriam o efeito da descontinuidade, da definição de metas de curto prazo e projetos abandonados, a cada mudança de partido no poder, sem que uma avaliação dos efeitos fosse concretizada. Há cerca de vinte anos, o que havia produzido o modelo de educação predominante? Escassa aprendizagem, indisciplina, muitos milhões desperdiçados na crise da escola da modernidade. 

A melhoria da educação era reivindicação de educadores conscientes, evidenciando a urgência da reconfiguração das práticas escolares. O envelhecimento da profissão de professor, o contraste entre grandes investimentos e baixos resultados, uma gestão hierárquica e não-democrática eram alguns dos indicadores que validavam a má qualidade da educação. 

Era esse o saldo de uma desastrosa condução do “sistema”. O que fazer diante desse cenário? Como fazer das escolas lócus de desenvolvimento sustentável?

Na última semana do fevereiro de há vinte anos, centenas de educadores se uniram num denodado e definitivo processo de mudança. Contar-vos-ei.

Por: José Pacheco

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