Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCXXVII)

Mata dos Lobos, 23 de março de 2042

Queridos netos, talvez não por acaso, num furtuito encontro de aeroporto com a Inês, o meu andarilhar me levou para terras da Beira Alta. Andou o vosso avô visitando escolas, estabelecendo pontes de entendimento com educadores esperançosos, procurando encontrar modos de inverter um discriminatório processo de desertificação. Por décadas, critérios de natureza economicista originaram o despovoamento do interior de Portugal e as aldeias do interior beirão ficaram vazias de crianças. 

No mês de julho de 2017, a Plataforma de Ciência Aberta surgira como o primeiro centro da rede internacional Open Science Hub, numa parceria entre o Município de Figueira de Castelo Rodrigo e a Universidade de Leiden (Holanda). E a excepcional equipe da Maria Vicente já se integrara na comunidade figueirense, “com a missão potenciar o envolvimento e a participação cívica com a ciência, promover o diálogo entre cientistas e cidadãos e despertar o interesse da comunidade na construção de conhecimento e valorização do território”. Muito eu aprendi com essa boa gente!

Enquanto, no extremo ocidental da Europa, se buscava caminhos de humanização, no extremo oriental, a Ucrânia agonizava. Tropas russas matavam dez pessoas, que se encontravam numa fila para comprar pão. No seio de três milhões de refugiados, a pandemia de coronavírus dava lugar a um novo drama humanitário, numa população em fuga e hospitais destruídos. 

O idoso jovem Mujica juntava a sua voz à daqueles que, criticamente, comentavam a tragédia ucraniana:

“Será possível que a humanidade do futuro possa abandonar os orçamentos militares, a loucura da guerra?

Que sentido tem o avanço tecnológico, se do ponto de vista da vida humana, seguimos prisioneiros de uma civilização que confunde ser com ter, numa inversão de valores que assusta.

Que sentido têm os orçamentos militares do nosso tempo?

Se a guerra é o modo de resolvermos conflitos, continuaremos na pré-história. Com a única diferença de que a barbárie dos humanos primitivos parece uma brincadeira de criança comparada à barbárie dos humanos contemporâneos. Que nos demos conta da responsabilidade coletiva! É impossível sonhar? É impossível, no mundo de hoje, levantar a utopia de que o homem se pode melhorar a si mesmo como sociedade?”

Instado a se pronunciar sobre a tragédia ucraniana, veemente, o Fernandes, político profissional, vociferou:

“E o que é que eu tenho a ver com isso?”

Tudo! Quota parte de responsabilidade deveria ser imputada à política educacional nesse tempo hegemônica, a uma escola desumanizada, berço de desigualdade, fomentadora de competitividade negativa, de conformismo.

Quando, na década de setenta, um inspector me ordenou que voltasse a trabalhar sozinho – “na sua sala, com os seus alunos, como a lei estabelece – respondi-lhe, fundamentando, que a nossa profissão não poderia continuar a ser uma profissão solitária, mas solidária. 

E lá se foi o inspector, sem lograr impor a sua “lei”. 

Não se pense que são bravatas. Isto acontecia, há já muitos anos, numa escola deste país, sujeita às mesmas leis que as restantes escolas. Já então, eu nutria uma profunda ternura pelos inspectores que nos visitavam. Diferentes dos inspectores de hoje, também eram boas pessoas, mas nada sabiam de pedagogia. Explicávamos-lhes os nossos pontos de vista e eles entendiam. Debatiam-se entre o estabelecido pela lei e a evidência (prática e teórica), e acabavam por reconhecer a pertinência das nossas atitudes, porque o que lhes faltava em conhecimento sobrava-lhes em bom senso.

Por: José Pacheco

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