Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCXXVI)

Almeida, 22 de março de 2042

A Nilce era um anjo que andava pela Terra. Dizem que os anjos não choram, que apenas se compadecem da humana infelicidade, mas a Nilce era um anjo que chorava. Entre lágrimas, me falou assim:

“Espero que tenha tido uma semana de Paz. Mundo estranho aquele em que vivemos. Sei que não vai apaziguar a sua tristeza perante o holocausto ucraniano, mas me atrevo a tentar, com uma oração escrita por um clérigo:

“Senhor, perdoai-nos a guerra. Senhor Jesus, nascido sob as bombas de Kiev, tende piedade de nós. Senhor Jesus, que morrestes nos braços da mãe num bunker em Kharkiv, tende piedade de nós. Que vedes ainda as mãos armadas à sombra de vossa cruz, tende piedade de nós. Perdoai-nos se, não contentes com os pregos com os quais transpassamos vossa mão, continuamos a beber do sangue dos mortos dilacerados pelas armas. Perdoai-nos se estas mãos, que criastes para cuidar, se tornaram instrumentos de morte.

Perdoai-nos, Senhor, se continuamos a matar nosso irmão, perdoai-nos se continuamos como Caim a remover pedras de nosso campo para matar Abel, se continuamos a justificar a crueldade com nosso cansaço, se com nossa dor legitimamos a crueldade de nossas ações.”

Face a um evitável conflito bélico, ao modo trágico como, então, as estruturas sociais se organizavam, não bastavam orações – urgia reorganizar. E, se na origem remota das tragédias avultava o modelo de educação familiar, social e escolar, por que não se reorganizava a Escolas? 

Por que razão plausível se mantinha imutável uma organização originada da Prússia militar do século XVIII? A (de)sorganização da chamada Escola da Modernidade datava da “era 1.0” e nós já estávamos na “Web 4.0”, em vias de transitar para a “5.0”. 

Retomava a pergunta, porque, como dissera o saudoso mestre João dos Santos, “se não sabe por que é que pergunta?” Eu sustentava uma hipótese, a “minha resposta”, não “a resposta”. Melhor dizendo, talvez dispusesse de parte da resposta. Explicarei, invocando palavras do amigo Carlos: 

“Numa manhã ensolarada de janeiro, uma professora, que, casualmente, entrou na sala, enquanto as crianças escreviam poemas ao som de sonatas para violino, disse que aquela sala parecia um jardim. Fiquei feliz pelas crianças.” Professores como o Carlos iam gravitando em torno do desastre, educando na Paz e para a Paz. As suas palavras contrastavam com as de outros professores, que falavam de autoritárias “ordens de superiores hierárquicos”, em desabafos eivados de revolta, desânimo, frustração. 

Não era fácil a vida nas escolas que, desgraçadamente, ainda tínhamos, nos idos de vinte. O professor estava sozinho, na sua sala de aula, num dos naturalizados absurdos, que sustentavam a tradicional e hegemónica organização das escolas, reforçando um mortal sentimento de autossuficiência, que expunha professores e alunos a situações de constrangimento e, por vezes, de violência expressa. 

A violência andava à solta. Sei de professores humilhados, em risco de serem agredidos dentro das suas salas, que se salvaram in extremis. Que foram ameaçados, insultados, sovados. Se isso se devia a uma organização das escolas pautada no isolamento e pouco propícia ao exercício da solidariedade, não era menos certo que não cabia às escolas toda a responsabilidade. 

Sem pretender afagar o ego dos professores – nunca foi intenção minha convencer, ou agradar a quem quer que fosse! – afirmava que as escolas povoadas de solidão eram objetos frágeis, que não digeriam a massificação e se degradavam, por efeito da crise que afetava outras “desorganizadas” instituições. 

 

Por: José Pacheco

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