Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCXXXIII)

Almendra, 29 de março de 2042

Felizmente, já lá vai o tempo em que se fazia prova, teste, exame, o tempo em que Freudenthal isto escreveu: 

“O exame torna-se um objetivo; o que vem para exame; um programa; o ensino da matéria para exame, um método”. 

Porém, ainda hoje, o dicionário insiste em dizer que prova é “aquilo que atesta a veracidade ou a autenticidade de algo”. Uma prova, um teste dos idos de vinte caberia nessa definição? É o que iremos ver…

Se quiséssemos falar de avaliação em linguagem de gente, poderíamos dizer que a quase exclusiva utilização de um mesmo tipo de instrumento de avaliação foi responsável por graves erros. Atenda-se ao exemplo do candidato a medicina, que não acedeu ao curso desejado por diferença de… “uma centésima”. 

Por volta do ano 2000, um ministro afirmara que as provas globais começavam a ser inúteis. Vá-se lá saber por quê, outro ministro ressuscitou um tenebroso debate alimentado pela ingenuidade de uns quantos “docentes” e do reacionarismo de tantos outros. Se outra razão não existisse para acabar, definitivamente, com exames, uma razão se imporia. Associada à ideia de exame havia sempre a probabilidade de utilização de cábulas, “cola”, “copianços”. 

Para obstar a desonestas atitudes, para cada sala de exame que se prezasse eram escalados professores que, supostamente, seriam o garante de que os examinados não “copiariam”, não “colariam”. Embora o mais provável fosse que os pedagogos-polícias também tivessem “colado”, “copiado”, quando alunos. E, mais do que provável seria que também tivessem sido vigiados. 

Seria possível distinguir um professor de um polícia? Os “vigilantes” partiam do pressuposto de que todo o aluno era, até prova em contrário, potencialmente desonesto. Embora estivessem calados, o não-verbal transmitia valores negativos. Haveria princípio e prática mais antipedagógicos do que esses? 

Um exame era, normalmente, um teste de papel e lápis, que pouco ou mesmo nada avaliava. Quase só media a capacidade de retenção de informação na memória de curto prazo. Informação inútil debitada por um dador de aula e, depois, esquecida. 

Qualquer professor minimamente informado das coisas da docimologia sabia que o teste era o instrumento de avaliação mais falível que se conhecia e que havia modos mais fiáveis de avaliar. Quem não os conhecia aplicava testes, somava “resultados”, fazia divisões…”dava nota”. 

O exame de acesso ao ensino dito “superior”, por seu turno, era mero instrumento de discriminação, de seleção arbitrária, exclusão e darwinismo social. Por ironia, na tradição académica, o “bom professor” era, frequentemente, o que conseguia mais elevados índices de reprovação. Era evidente a ingénua crueldade das vítimas da rigidez e do acriticismo. Os exames constituíam-se, não raras vezes, em instrumentos de poder simbólico, álibis de profissionais acomodados, alienados. 

Eu poderei entender que os leigos dessem tratos de polé ao assunto e abordassem a problemática na perspectiva do senso comum. Até poderia entender que, à míngua de uma sólida e coerente formação, muitos professores se refugiassem na segurança do que melhor conheciam e dominavam – quais os instrumentos de avaliação que a maioria dos professores aprendera a dominar dos bancos da instrução primária à docência? As “fichas”, as provas, os exames orais e escritos.

Só não conseguia entender os “responsáveis ministeriais” e os “especialistas” que insistiam na ideia peregrina e facilitista de que os exames poderiam constituir-se na panaceia redentora dos males que afetavam o “sistema”.

 

Por: José Pacheco

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