Porto, 29 de abril de 2042
Pessoa adulta, sensível, o António não desistia de escutar a criança que havia em si e fazia-me recordar palavras das crianças de uma escola lusa, que ele visitou. Escreveram no seu “jardim da poesia”: as palavras são como as cerejas / esta palavra é irmão / Aquela palavra é silêncio. E, no português de Portugal, o António transmutava a minha saudade da pátria em prodigiosas considerações, num labor que, harmoniosamente, misturava avencas na catinga com alecrim no canavial…
Quer na Escola da Ponte (que o amigo António visitou no início deste século), quer na Escola da Várzea de Sintra, quer ainda nas pontes que buscava fazer num Brasil palpitante de sonhos e de inícios, reencontrava nas palavras do António ecos de uma pátria de exílios. Mas, também, a intenção de re-ligare.
O António tinha consciência de que um projeto pressupunha superação de limites, através de processos de cooperação, geradores de solidariedade, respeito mútuo, formação cidadã, que caracterizavam um paradigma educacional emergente.
Era nesse sentido que o António sublinhava a necessidade do investimento no trabalho de equipe, gerador de espaços de práticas educativas reflexivas, propiciadoras de produção e de partilha de saberes, contribuindo para que professores e alunos assumissem com inteligência crítica o seu papel de agentes ativos de transformação social.
O António dava sentido à sua vida, dando sentido à vida dos jovens. Com ele, senti ser necessário agir num silêncio “escutatório”, fundamento do reconhecimento do outro. Numa relação de escuta, a circulação de afetos produzia novos modos de estruturação social. No contexto do exercício da profissão, não se negava o potencial da razão e da reflexão, mas se agregava emoções, intuições, experiências de vida.
A escuta, para além do seu significado metodológico, teria de ser humanamente significativa, de abdicar de atitudes magistrais, para que todos os intervenientes aprendessem mediados pelo mundo.
Vem tudo isto a propósito de um episódio exemplar. No abril de vinte e dois, a Francisca e o Francisco me levaram até à Faculdade de Letras do Porto. Foi frutuoso o diálogo com os alunos. No final, um professor de Didática, se mostrou a antítese do António, pois manifestou incômodo e fez questão de dizer que, em sala de aula, conseguia “praticar metodologias ativas”.
Compassivamente, lhe disse que nunca demonizei a aula. Eu afirmava, fundamentando, a impossiblidade de o instrucionismo rimar com “metodologias ativas”, por exemplo. E que a introdução de paliativos em sala de aula nada acrescentava ao frontal anônimo onde a individualização e a personalização raramente aconteciam.
Deveríamos valorizar aquilo que de muito bom se fazia. Valorizava a competência dos professores, que, através da Didática, ou de qualquer outro modo, se assumiam como mestres, quando o discípulo estava pronto para aprender. Mas não esquecia que, por melhor que fosse a qualidade de uma prática, seria possível melhorá-la, a partir daquilo que nela era bem-feito, criando dispositivos para resolução de pontos identificados como frágeis.
Era esse um dos papéis da formação. De uma formação que acontecia quando o educador se decifrava através de um diálogo entre o eu que agia e o eu que se interrogava.
Para que acontecesse mudança e inovação, não eram somente necessários bons projetos de formação, eram necessários projetos sustentáveis de desenvolvimento. Como diria o poeta da reinvenção, o Manoel de Barros, aprender é desaprender, para vencer o que nos encerra e aliena”.
Por: José Pacheco