Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLVI)

Valongo, 23 de abril de 2042

Nunca aceitei convites para cargos, a eles acedi por via de concurso, ou eleição. Por isso, quando recebi convite de cooptação para o Conselho Nacional de Educação e, gentilmente, recusei. 

Viria a ser eleito para esse órgão, como representante da Educação Básica. Durante alguns anos, redigi propostas, relatórios, “pareceres” sobre propostas de lei.

O CNE era constituído, maioritariamente, por reitores e professores universitários. Sendo eruditos nas suas áreas de especialização, as ciências da educação eram para eles “ciências ocultas”. Embora bem-intencionados nas suas reflexões, ignoravam as origens das crises vividas no chão das escolas da Educação Básica. Mas, os seus votos decidiam os rumos da… Educação Básica.

Quando, no início do ano 2000, foi publicado em Diário da República o “Parecer sobre a Proposta de Lei de Reorganização Curricular”, apesar de o meu nome constar como coautor do Parecer, nele não me reconheci. O documento fora descaracterizado. 

Foi a “gota de água”. No final do meu mandato, quando a Teresa (a presidente do CNE) me perguntou se eu aceitaria o convite de conselheiro “cooptado” (não eleito), agradeci e o declinei. Fui correr mundo. 

Entretanto, numa das minhas últimas reuniões do Conselho, se a memória não me trai, discutia-se o sistema de financiamento das universidades. Sendo eu leigo na matéria, não me pronunciei sobre o assunto. E abstive-me no momento da votação. 

A Presidente dirigiu-se a mim nestes termos:

“Senhor conselheiro, o senhor sempre participa dos debates. Por que não se pronunciou neste caso?”

Se a maravilhosa (e irônica) Teresa teve a amabilidade de questionar a minha atitude, mereceu resposta:

“Senhora Presidente, os meus colegas universitários têm decido em assuntos da Educação Básica. Mas eu não me sinto competente para debater e votar questões que têm a ver com a Universidade”.

O ambiente ficou pesado naquela sala. Rostos carrancudos, uma “gentil” agressividade no ar… 

Há vinte anos, professores, diretores de agrupamento, autarcas e comunidades, crentes de que poderia ajudá-los, me convidaram a voltar a Portugal. Assim fiz. Renovada a esperança, eis-me viajando pelo país, reencontrando velhos amigos, assistindo ao emergir de uma nova geração de educadores. Também, com a agradável surpresa de encontrar muitas famílias, que, conscientes da miséria das práticas pedagógicas e dos maus-tratos sofridos pelos seus filhos, exigiam uma nova educação, uma nova escola.

Quis saber em que ponto estava o debate sobre novas propostas educacionais. Concluí que tinham sido assimiladas e neutralizadas. Velhos amigos colaboravam com a tradicional e desastrosa política ministerial, participando em estéreis debates, coordenando inúteis (e dispendiosos) projetos. 

Ontem, remexi no baú das velharias, procurando registos de palestras realizadas por amigos, nos idos de vinte. Num velho computador, consegui fazer funcionar uma, também, velha “pen drive”. E o que vi e ouvi esclareceu e confirmou o que eu vira e ouvira… vinte anos antes. Apresentando uma excelente fundamentação teórica, cientistas da educação determinavam o que deveria ser a Educação Básica, nos mesmos termos em que o tinham feito… vinte anos antes. 

Saturado da redundância teoricista, num abril dos idos de vinte, me irmanei com centenas de educadores, em mais uma tentativa – seria a minha última tentativa – de formação transformadora. Estavam reunidas condições para que a mudança e a inovação acontecessem. À margem dos teoricistas. No chão das escolas.

 

Por: José Pacheco

174total visits,1visits today

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Scroll to top