Sintra, 22 de abril de 2042
Vai para vinte anos, a minha amiga Ana deu-me boleia para as Caldas e o amigo João me levou até Sintra, ao encontro da Paula e de novas aprendizagens. Ainda hoje, guardo boas recordações desse dia. Ganhei uma amiga e, como cantaria o Sérgio, “coisa mais preciosa no mundo não há”.
Nesse dia e ao cabo de meio século em que me considerei apenas professor, na companhia de designers me reconheci como “designer educacional”. Grata surpresa, num tempo em que já escasseavam as forças para empreender novos rumos profissionais.
No último dos dias passados em Santarém, tinha ido com o Ricardo e a Joana a um encontro realizado na Escola Superior de Educação. A Joana carregava no seu ventre uma Luz prestes a ver a luz e já procurava modo de bem educar a sua filha, que isto de mudança em educação leva muitos anos a fazer.
Esperava-me uma sala repleta de jovens estudantes e alguns professores. Tive ensejo de conhecer gente interessada em rever a formação de professores. Falei-lhes de um livro que o amigo António havia publicado. E dei-lhes a conhecer parte do seu conteúdo.
“Se tudo muda à nossa volta, por que motivo a escola pública continua assente em bases conceptuais com mais de duzentos anos de idade? Não será essa uma realidade muito irracional? Convenhamos que sim.
Sabemos, através das ciências da educação, que a escola pública foi uma criação do “Estado-Nação”, desempenhando um papel fundamental na emergência do “Estado-Educador”, através de um processo massivo de escolarização (a escola de massas). Este, que levou à formação dos sistemas nacionais de ensino, hierarquizados em níveis e anos de escolaridade e constituídos por disciplinas com programas próprios e únicos (de tipo prescritivo).
A este modo (burocrático) de coordenação estava associado um outro, de tipo profissional: o profissionalismo dos professores, expresso pela chamada “racionalidade pedagógica”. Tudo muito racional, como convinha para esse tempo.
Mas, “tudo quanto vive vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre. Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida. A vida é um intervalo, um nexo, uma relação, mas uma relação entre o que passou e o que passará”, lembra-nos Fernando Pessoa (através do heterónimo Bernardo Soares) no seu Livro do Desassossego.
Sabemos muita coisa… sabemos que a escola que continuamos a ter é a escola do ensino (heterónomo), do conteúdo (prescritivo) e da transmissão. É essa a trilogia da racionalidade pedagógica do paradigma da escolástica.
Esta realidade, em pleno século XXI deve ser entendida como um problema, uma realidade desadequada à vida atual. Na verdade, se pensarmos nas caraterísticas da nossa sociedade, rapidamente chegamos à conclusão de que ela é profundamente diferente daquela que levou à constituição da escola (pública) de massas.
Assim, é pertinente colocarmos a pergunta: se tudo muda à nossa volta, por que motivo a escola pública continua assente em bases conceptuais com mais de duzentos anos de idade? Não será essa uma realidade muito irracional? Convenhamos que sim. Se o é, por que motivo não a mudamos? Será por uma questão de imobilismo, medo, insegurança, ausência de perspectiva ou desconhecimento?”
Como só pergunta quem sabe a resposta, o amigo António a viria a dar, num belo livro: “Recriar a Escola Pública, Refundar o Sistema Educativo”. Dele vos falarei, em breve.
No abril de vinte e dois, voltei à casa dos meus bons amigos António e Elisa, para conspirar, para os ajudar a recriar a Escola Pública e a refundar o “Sistema”.
Por: José Pacheco
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