Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXV)

Valongo, 2 de maio de 2042

Queridos netos, 

Esta cartinha será feita de palavras alheias, colhidas numa velha rede social. Deixo ao vosso cuidado delas extrair alguma conclusão, se conclusão houver. 

Larrosa dissera que a educação era o lugar da relação, do encontro com o outro. Ao mesmo tempo, nos seus escritos, denunciava que participávamos de uma dominação cultural e de algumas instituições, ditas educativas, nas quais esse encontro era pensado como predeterminado. Exemplo vivo dessa situação eram espaços supostamente educativos, eivados de lideranças tóxicas e micro ditaduras, a que deram o nome de “escolas”. 

Nelas se decidia quem o outro era, ou quem teria de ser, o que lhe teria de acontecer, o que deveriam esperar dos encontros com outros predeterminados e o que aproveitar dos outros. Planificava-se aulas, impunha-se um horário padrão, medidas disciplinares autocráticas, injunções e coações em tudo opostas à possibilidade da experiência daquilo que nos conduzia por caminhos imprevistos, que nos confrontava com os mistérios do viver, na gestão da imprevisibilidade das relações autênticas com outros. 

Mostrava-se urgente pensar e viver a educação na “alteridade”, sem fazer do outro objeto de nossa programação, assumindo a responsabilidade desse encontro, na aspiração a que fosse formativo.

A propósito, aqui vos deixo um textinho do Perrenoud: 

“Toda situação didática proposta ou imposta uniformemente a um grupo de alunos é inadequada para uma parcela deles. Para alguns, pode ser dominada facilmente e, por isso, não constitui um desafio nem provoca aprendizagem. Outros, porém, não conseguem entender a tarefa e, por isso, não se envolvem nela. Mesmo quando a situação está em harmonia com o nível de desenvolvimento e as capacidades cognitivas dos alunos, pode parecer desprovida de sentido e não gera nenhuma atividade notável em nível intelectual e, por conseguinte, nenhuma construção de novos conhecimentos nem um reforço das aquisições. Por esse motivo, uma definição possível da diferenciação do ensino é a seguinte: diferenciar é organizar as interações e as atividades, de modo que cada aluno seja confrontado constantemente, ou ao menos com bastante frequência, com as situações didáticas mais fecundas para ele. Como atingir esse ideal?” 

A Rosário comentou o texto: 

“Difícil de responder. Diferenciar alunos é difícil com tantos dentro da sala. Se calhar! Parece-me válido para todas as disciplinas. Impossível de ser realizado quando o professor tem muitas turmas.”

Se calhar… . Dentro da sala., disciplinas, turmas, como se a Ponte nunca tivesse existido.

E um José acresentava:

“Cada ser humano é um fenómeno. Se percebermos isso já evitamos um conjunto muito grande de erros, daqueles que se vão cometendo todos os dias nas escolas, dentro das salas de aula.”

A Ponte teria existido? Confesso a minha perplexidade. Nesse maio de vinte e dois, eu passara por congresssos e seminários, nos quais escutava a costumeira ladainha. O tempo teria parado em meados do século XX? 

Nos longínquos idos de vinte, havia quem teorizasse o que fizéramos na Ponte, cinquenta anos antes. Havia quem se perdesse em estéreis debates, como se a Ponte, ou o Projeto Âncora, nunca tivessem existido. Valiam-me “postagens” de amigos como o Tuck:

“O centro da educação não são os professores, nem o prédio, nem os conteúdos, não os alunos… o centro é a relação. E na relação está tudo: planeta, pessoas, informações, conhecimento, arte e as emoções. Quando não estão no centro, o adoecimento costuma ser um dos últimos sinais de alerta.” 

 

Por: José Pacheco

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