Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXVI)

Pampilhosa da Serra, 3 de maio de 2042

Notícia de jornal dos idos de vinte: 

“Rússia nega fim da guerra na Ucrânia a 9 de maio”. 

Naquele tempo, uma guerra tinha dia e horário previamente fixados para começar e para terminar. Feitas as contas às “baixas” (leia-se: seres humanos assassinados), as máquinas de guerra regressavam aos quartéis e as fábricas de armamento retomavam a produção de máquinas de matar, para as comercializar na guerra seguinte.

O ministro dos Negócios Estrangeiros russo assim falava:

“Os nossos militares não ajustarão artificialmente as suas ações a qualquer data, incluindo o Dia da Vitória”

Referia-se à data comemorativa de 9 de maio de 1945 e à rendição nazi aos Aliados. A Rússia celebrava o Dia da Vitória com grande pompa e circunstância, com um grande desfile militar no centro de Moscovo, onde o Patriarca Cirilo, líder da Igreja Ortodoxa russa, um dos pilares do regime de Vladimir Putin, apelava à “unidade com o poder frente aos ‘inimigos’ da Rússia, os inimigos externos e internos.” 

Isto dissera num sermão, ao “lutar contra as forças do mal”:

“Neste período difícil para a nossa pátria, que o Senhor ajude cada um de nós a ser um corpo, inclusive em torno do Governo, e que ajude o Governo a assegurar a sua responsabilidade perante o povo e a servi-lo com humildade e boa vontade, até ao ponto de dar a sua própria vida. É assim que a verdadeira solidariedade emergirá no nosso povo, a capacidade de construir uma vida com mais bondade, verdade e amor”.

Dar a própria vida, Pátria, humildade, solidariedade, bondade, verdade, amor… o vilipêndio da palavra, a manipulação da turba.

Do amigo Léo recebi o seguinte comentário: 

“Zé, não há algo mais terrível que as guerras. A humanidade, contudo, só construiu o sentido de Paz (não armada) há menos de oitenta anos. Todos nós nascemos num mundo e em lugares deste vasto planeta em que a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos já era uma realidade. Pena que as escolas continuem organizadas a partir dos processos de disputa e classificação, mantendo, portanto, vivas as características básicas dos processos prussianos de formação. Os mesmos processos que construíram as civilizações das Grandes Guerras do século XX. 

Estou lendo Bauman e vejo nele a crítica ao cientificismo moderno, que com seus rituais, separa o mundo entre pensadores e práticos… parece que o mundo não consegue desapegar dessa ideia de que o fazer-pensar-fazer são faces da mesma moeda.”

Não havia qualquer dúvida de que ainda vivíamos numa proto-história da Humanidade, pois ainda havia tribunais, prisões, guerras. 

Uma educação familiar, social e escolar patriarcal, um sistema social concebido com os homens no centro, os “chefes de família” da vida social e política, transmitindo valores patrimoniais paternos, desumanizara o ato de educar.

Urgia humanizar a educação. Mas, como o fazer, sob o esmagador peso de uma tradição de séculos? As fontes judaico-cristãs acerca do homem e da mulher expressavam princípios de igualdade originária entre géneros. Por exemplo, no livro do Gênesis: 

“Deus criou o ser humano a sua imagem, macho e fêmea” (1,27). 

E no Novo Testamento: 

“Não há homem nem mulher, todos são um em Cristo Jesus” (Gal 3,28).

 

Por: José Pacheco

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