Mogi das Cruzes, 11 de maio de 2042
Naquele final de tarde, de passagem por Lisboa, precisei de estabelecer contato com uma amiga.
Na minha vida de andarilho em terras lusas, dependia de quem me facultasse acesso a wi-fi. E ele estava, ali, mesmo à mão de semear, no prédio da Calouste Gulbenkian. Lá chegado, instalei o computador numa sala vazia, consegui um hot spot, começava a comunicar, quando imagens de um seminário surgiram numa tela. O evento decorria no auditório principal. Enviado o internético recado, para lá me dirigi.
No palco, três ex-ministros da educação prelecionavam sobre aquilo que diziam ser preciso fazer, para melhorar o “sistema”. Fui descendo até junto do palco, escutando algumas reações à minha presença. Eram educadores, que me conheciam e me julgavam ausente do país. O auditório estava lotado. Cheguei à primeira fila. Ninguém se sentara naquelas cadeiras, que ostentava cartazes com a palavra “RESERVADO”: Presumi que os excelentíssimos convidados tivessem enjeitado o convite e numa delas me sentei.
Terminados os discursos em que os ex-ministros fizeram apelo, por exemplo, a práticas inovadoras e ao direito das escolas à autonomia, o moderador achou por bem perguntar se alguém pretendia fazer perguntas aos ilustres conferencistas. Ergui o braço. Fui o único a inscrever-me. E só uma pergunta me permitiram fazer, pois, “devido à hora tardia”, o tempo estabelecido para perguntar ficara reduzido a cinco minutos.
“Concordo com tudo aquilo que os senhores ex-ministros disseram. Contudo, fiquei algo confuso. Se assumem ser necessário desenvolver novas práticas, por que consentiram que funcionários do ministério tivessem impedido que novas práticas fossem implementadas? Por que não agiram, quando burocratas ao seu serviço perseguiram professores, que reivindicavam autonomia? Se consideram ser necessário mudar o sistema, por que não o mudaram durante os seus mandatos?”
Fui aplaudido por todos os presentes. Exceto pelos ex-ministros. Responderam “nim”. E o moderador deu por encerrados os trabalhos.
A Carmo reapareceu numa rede social. Não a via, há muitos anos. Há tantos quantos já nos separavam do furtivo encontro, que descrevi. Disse-me que, no dia em que eu passaria por Lisboa, ela estaria no Conselho Nacional de Educação, participando num “seminário presencial, cujo lema era “Faltam professores! E agora?…”
O assunto era sério e reclamava soluções urgentes. Vede como ele era apresentado:
“Ao longo da última década, o CNE tem vindo a alertar, em relatórios e recomendações, para o envelhecimento do corpo docente e consequente aposentação, e para a necessidade da sua renovação, nomeadamente através de um planeamento prospetivo que permita antecipar o estudo e a implementação das respostas mais adequadas.
Estudos recentes apresentam projeções das necessidades de recrutamento de novos docentes para os próximos anos, tendo em conta a evolução do número de alunos e a disponibilidade de profissionais no ativo decorrente da redução de horários e das aposentações devidas à idade. As análises mais finas referem regiões territoriais e grupos de lecionação que poderão apresentar maiores necessidades de recrutamento”.
A participação era gratuita, “mas de inscrição obrigatória”. No site anunciador do evento, estava escrito “Inscrições em breve”. Porém, a faltar apenas uma semana para a realização do evento, o “em breve” eternizava-se. Resolvi enviar um e-mail à Maria e ao Miguel, perguntando-lhes como poderia realizar a inscrição no seminário.”
Vos contarei o que aconteceu.
Por: José Pacheco
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