Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXXIV)

Óbidos, 12 de maio de 2042

Queridos netos, quero pensar que as miudezas teóricas que misturo com as estórias que vos conto não vos aborreçam. A Alice já me disse que até lhe fazia bem lê-las, porque lhe recordavam os livros de Psicologia, que leu e releu na Universidade. Mas tu, querido Marcos, és designer. Não sei se te interessarás por estas divagações, mais ou menos, teóricas. Enfim! Arrisco manter este meu hábito de remexer em velharias.

Ontem, me lembrei de vos ter falado de um senhor chamado Donald. Nos meios académicos, era mais conhecido pelo seu apelido: Schön, mas eu tinha a mania de tratar as pessoas pelo primeiro nome, desde que me apresentaram um aluno e me disseram chamar-se Teixeira, nome de família, que a diretora não soube dizer qual era o nome próprio do rapaz. 

Esse filósofo da educação norte-americano era especialista em “educação prático-reflexiva’, na esteira de Dewey e Rogers (deveria dizer John e Carl…?). Fora meritória a sua contribuição e muito citada a sua obra. Porém, quando, no final da década de noventa, Donald Schön faleceu, a sua teoria não passava disso mesmo: de teoria. 

Aliás, nos idos de vinte, a sua excelente produção teórica continuava apenas a enfeitar teses e a não ser transmutada em práxis. Foi esse o destino de grande parte das propostas teóricas, até há uns dez anos atrás.

A preocupação do Donald consistia no desafio de reconsiderar a formação profissional de forma a não opor o conhecimento técnico a uma mestria. Sempre que algum professor me pedia para falar sobre a obra de um qualquer cientista da educação, eu sugeria que o lessem. Muito menos falava do conteúdo de livros meus. Se a pessoa sabia ler, então, que fosse ler. Sabeis que eu nunca me citava, pedia que me lessem, comentassem e até mesmo me contestassem. Por isso, poupar-vos-ei à descrição da sua proposta, recomendando que, se dispuserdes de um tempinho livre, o gasteis na leitura de uma obra, que muito me influenciou. O livro “The Reflective Practioner” foi escrito por Schön em 1983 e ainda deve haver por aí, num sebo digital. 

Donald elaborou uma Epistemologia da Prática, realçando o valor assimétrico do conhecimento científico em detrimento das habilidades práticas. Se quiserdes ir além dessa leitura, podereis passear os olhos pelos trabalhos de Michael Polanyi, que o Donald teve por referência. E por aqui me quedo, para não vos forçar a uma overdose de leitura.

Já neste século, o amigo António publicava “Os professores e sua formação”, no qual também abordava o conceito de “professor prático reflexivo”. Citava o Donald como “referência obrigatória” na formação de professores e dissertava sobre os termos por ele criados: “knowing in action, reflection in actionreflection on reflection in action”.  

Nos idos de vinte, infelizmente, as práticas de formação careciam de contemplar o que Schön e Nóvoa propunham. Pecavam por um isomorfismo reprodutor de práticas instrucionistas. Mas havia quem se preocupasse com o fenómeno.

Conheci o Miguel, quando aceitei o convite para conversar com educadores no Politécnico de Leiria. Ofereceu-me um livro, que “devorei” em dez horas de voo sobre o Atlântico. Eram relatos de práticas investigadas a rigor.

O Miguel também me falou de um lugar-comunidade, que me aguçou a curiosidade e quis conhecer. Aí recomeçou um projeto, que bebeu em Schön, Nóvoa e muitos outros autores contribuições essenciais à criação de comunidade de aprendizagem. A teoria saltou dos arquivos de teses para espaços sociais favoráveis à praxeologia. A universidade subiu ao chão da escola. Donald Schön estava vingado.

 

Por: José Pacheco

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