Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXXXV)

Moimenta da Beira, 23 de maio de 2042

Num prefácio a um livrinho do Perrenoud, o amigo Nóvoa faz a crítica de uma visão ultrapassada do Estado e das suas formas de intervenção no campo educativo. Criticava um Estado que se revelava “incapaz de avançar propostas que pudessem reconciliar a escola com a sociedade e chamar a sociedade a uma maior presença na escola”. 

“Hoje, o debate tornou-se inadiável: Como conseguir que as famílias e as comunidades sintam que a escola lhes pertence, sem que, ao mesmo tempo, se fechem na “sua” escola? 

Como conseguir que a educação responda aos anseios e aos desejos de cada um, sem que, simultaneamente, renuncie à integração de todos numa cultura partilhada? 

As respostas do passado não servem para as perguntas do presente”.

Nóvoa escreve no início do século, mas as suas considerações eram atuais no dealbar dos anos vinte, quando burocracias e autoritarismos institucionais minavam todo e qualquer esboço de interpelação de uma cultura hegemônica, que administradores e diretores se empenhavam em autopreservar. 

Pesquisas recentes conduzidas por Reimer, demonstravam que, nas escolas mantidas por retrógrados diretores, menos de vinte por cento do tempo de intervenção dos professores era efetivamente empregado em atividades educacionais. O restante era gasto no controlo de comportamentos e na rotina administrativa. 

Os bons diretores de escola e de agrupamento eram escassos. Quando eram convidados para refletir, ou para acompanhar projetos inovadores propostos pelos profissionais ao seu serviço, declinavam os convites, alegando ter reuniões, preparação de exames, papelada para preencher…

No meu último périplo português, os pedidos de reunião provinham de familiares de alunos, de autarcas e de alguns professores que ainda “não tinham morrido”. Com eles, com ou sem a participação das direções, projetos transformadores foram desenvolvidos, correspondendo, na prática, aos apelos do amigo Nóvoa.

Em 2018, um decreto-lei tinha aberto caminho para a “flexibilização curricular”. Logo o “instrucionismo” presente numa portaria contribuiu para descaracterizar a proposta veiculada no decreto. Por exemplo: a portaria estabelecia que a dita “flexibilização” poderia ir de zero a trinta por cento. Perante essa ridícula disposição legal a maioria dos diretores de agrupamento optou pelo zero.

Nos encontros preparatórios de um movimento de larga escala iniciado em 2022, conversávamos sobre “planos de inovação”, de efetiva inovação. Tendo por referência o famoso decreto 55, embora passassem por diferentes estágios de constituição, os núcleo de projeto analisavam e implementavam esses planos, na partilha de uma mesma linguagem: a da inovação.

Os diferentes estágios resultariam do diagnóstico de situação local e da impossibilidade de criar uma coerência exata das ações entre os núcleos, pois cada grupo humano reagia de modo diferente à transição paradigmática. As etapas de transformação dos núcleos eram vivenciadas pelos seus membros como autopercepção da mudança num estatuto de participante ativo. 

Como sempre dissera, a profissão de professor não era um ato solitário. Deveria ser um ato solidário. O resto seria obra do tempo de chão de escola, de estudo, de cumprimento de preceitos legais, de fundamentação científica. 

Tomada consciência da precariedade do que chamávamos “ensinagem”, sobrevinha a necessidade de entender como fazer diferente e se evidenciava que um projeto de mudança era ato coletivo, e que a autonomia acontecia quando se era autónomo-com-o-outro. 

 

Por: José Pacheco

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