Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCXCI)

Lousado, 30 de maio de 2042

Como não há uma sem duas (ou será duas sem três?), volto a falar-vos do amigo Rubem. Vinte anos atrás, o vosso avô praticava um exercício dominical de partilha de belezura. E me lembrei de partilhar uma crónica, que o vi escrever. 

Certamente, já a tereis lido. Mas, a envio, porque bateu uma saudade dorida de ter visto o Rubem a “praticar essa crônica”, envolvido em conversas com as crianças da Ponte, no tempo em que vós nascestes. 

“Resumindo: são duas, apenas duas, as tarefas da educação. Como acho que as explicações conceituais são difíceis de aprender e fáceis de esquecer, eu caminho sempre pelo caminho dos poetas, que é o caminho das imagens. Uma boa imagem é inesquecível. Assim, em vez explicar o que disse, vou mostrar o que disse por meio de uma imagem.

O corpo carrega duas caixas. Na mão direita, mão da destreza e do trabalho, ele leva uma caixa de ferramentas. E na mão esquerda, mão do coração, ele leva uma caixa de brinquedos. Ferramentas são melhorias do corpo. Os animais não precisam de ferramentas porque seus corpos já são ferramentas. Eles lhes dão tudo aquilo de que necessitam para sobreviver.

Como são desajeitados os seres humanos quando comparados com os animais! Veja, por exemplo, os macacos. Sem nenhum treinamento especial eles tirariam medalhas de ouro na ginástica olímpica. E os saltos das pulgas e dos gafanhotos!

Já prestou atenção na velocidade das formigas? Mais velozes a pé, proporcionalmente, que os bólidos de F-1! O voo dos urubus, os buracos dos tatus, as teias das aranhas, as conchas dos moluscos, a língua saltadora dos sapos, o veneno das taturanas, os dentes dos castores.

Nossa inteligência se desenvolveu para compensar nossa incompetência corporal. Inventou melhorias para o corpo: porretes, pilões, facas, flechas, redes, barcos, jegues, bicicletas, casas… Disse Marshall MacLuhan corretamente que todos os “meios” são extensões do corpo. É isso que são as ferramentas, meios para viver. Ferramentas aumentam a nossa força, nos dão poder. Sem ser dotado de força de corpo, pela inteligência o homem se transformou no mais forte de todos os animais, o mais terrível, o maior criador, o mais destruidor. O homem tem poder para transformar o mundo num paraíso ou num deserto.

A primeira tarefa de cada geração, dos pais, é passar aos filhos, como herança, a caixa de ferramentas. Para que eles não tenham de começar da estaca zero. Para que eles não precisem pensar soluções que já existem. Muitas ferramentas são objetos: sapatos, escovas, facas, canetas, óculos, carros, computadores. Os pais apresentam tais ferramentas aos seus filhos e lhes ensinam como devem ser usadas. Com o passar do tempo, muitas ferramentas, muitos objetos e muitos de seus usos se tornam obsoletos. Quando isso acontece, eles são retirados da caixa. São esquecidos por não terem mais uso.”

Recordo-me de o Rubem ter perguntado se poderia conversar com as crianças da Ponte. Uma multidão de curiosos se juntou na “área das artes”. Sentados em roda, escutaram o Rubem falar de ferramentas e brinquedos. 

Começou por pegar num carrinho – creio que feito de lata – e, sorridente, feliz, foi dialogando com uma “assistência” atenta. Quem seria aquele homem, que prendia a atenção das crianças, que operava a magia de originar perguntas. 

Por mais de uma hora, o Rubem se divertiu, brincou. No final, o “grupo de responsabilidades do jornal da escola” pediu-lhe uma entrevista, que vivia a ser publicada no jornal do mês seguinte.

Junto a esta cartinha uma foto feita no decorrer da entrevista.

(Amanhã, concluirei a transcrição da crônica.) 

 

Por: José Pacheco

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