Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMXI)

Marco de Canaveses, 19 de junho de 2042

Estávamos em julho de 2021. Um núcleo de projeto reuniu com a direção do seu agrupamento de escolas. Perante uma oposição tenaz a tudo que pudesse afetar o status quo, os educadores questionaram a costumeira fuga ao diálogo, perguntando: 

“Qual é a lei que nos obriga a manter o Paradigma da Instrução?” 

Aquilo que se propunham mudar já fora mudado em outras escolas, era claro haver precedente jurídico.  E claríssimo era, também, o parágrafo terceiro do artigo 48º da Lei de Bases. Acaso a Direção se opusesse à mudança, deveria fundamentar a recusa em critérios de natureza científica. 

Reparai neste excerto de uma mensagem a que tive acesso, enviada pelo Núcleo de Projeto aos órgãos de Direção e Gestão do Agrupamento de Escolas: 

“A existência de um currículo único é ineficaz e segregadora, colocando barreiras ao aprendiz. Os alunos não aprendem todos do mesmo modo, não se expressam da mesma forma e não estão motivados para aprendizagem da mesma maneira”.

O Desenho Universal para a Aprendizagem “preconiza o desenho de um currículo de forma a incluir objetivos, métodos, materiais e avaliações que apoiem os alunos, através da redução de barreiras e, simultaneamente, providenciando um apoio efetivo à aprendizagem” 

A aprendizagem acontece em espaços da comunidade envolvente (edifício-escola, bibliotecas, teatros, praças, jardins etc.). Elaborar-se-ão projetos e roteiros de pesquisa, com um propósito inicial igual para todos os grupos (sugestão: reconhecimento do bairro, identificação de espaços e pessoas com potencial educativo, parcerias locais para oficinas e laboratórios). 

Não há um único método de ensino que possa satisfazer as necessidades de todos os alunos. Em vez disso, múltiplos e flexíveis “caminhos” são necessários. Trata-se de uma abordagem que procura que todos os alunos tenham as mesmas oportunidades para aprender, concedendo utilização de
ambientes educativos que ajudam os alunos a desenvolver conhecimentos,
competências e entusiasmo na aprendizagem (Rose & Meyer, 2002, citado por Universal Design for Learning (UDL): contributos para uma escola de todos, in Indagatio Didática, vol.5(4), dezembro 2013, p. 126).

Pormenor delicioso esse de mostrar ao senhor diretor… a “bibliografia”. Este reagiu, transferindo a responsabilidade da decisão para o Conselho Pedagógico. Laconicamente, esse conselho [que de pedagógico nada tinha] registara em ata e para que constasse: 

“Turma piloto com a filosofia da escola da ponte. Este ano letivo não irá ser implementado”. 

Os educadores, que constituíam o Núcleo de Projeto sabiam como fundamentar a sua proposta. Como se veria a constatar, nem o Diretor, nem os membros do Conselho Pedagógico sabiam fundamentar a sua recusa. Conscientes dos seus direitos, os educadores preponentes esclareceram:

“Não se trata de um projeto, mas sim do cumprimento do Projeto Educativo [que não estava a ser cumprido]. Reiteramos o pedido de envio da fundamentação legal e científica da recusa da implementação da turma-piloto”.

Resposta não houve, porque aquele era um diálogo de surdos. O “sistema” permanecia tão hierárquico e autoritário como quando nele eu ingressara, cinquenta anos antes deste episódio. 

Sem porque, nem por que não, o assunto estava arrumado pela tradicional atitude do “eu quero, posso e mando”:

“Como Diretor do Agrupamento venho por este meio informar que o projeto não vai acontecer no próximo ano letivo. 

Sem mais assunto, (segue-se a assinatura)”.

Era assim, naquele tempo. Mas, em breve, iria deixar de ser.

Por: José Pacheco

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