Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMXVIII)

Aljezur, 27 de junho de 2042

Não sei se ouvistes falar de Lourenço Filho, ou se algo tenhais lido dele ou sobre ele. Mas, se nada sabeis sobre a vida e a obra desse insigne pedagogo, nenhum mal virá ao mundo. Não sois professores. Não sois brasileiros. Será natural o desconhecimento. 

Permiti, netos queridos, que do Lourenço vos fale. Sabeis da minha profunda admiração pelos vultos da Escola Nova e do amor que por vós nutro. E estas cartinhas não são mais do que partilha de escasso saber e ato de amor. 

Lourenço foi o organizador da “Coleção Pedagógica Biblioteca de Educação”, publicou várias obras sobre a Escola Nova e até uma “Cartilha do Povo”. Os movimentos de renovação pedagógica de novecentos são tributárias das suas iniciativas reformadoras, operadas no Ceará. A sua participação nas conferências nacionais de educação de 1927 e 1928 teve impacto na redação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. Em 1926, isto escreveu: 

“A escola tradicional não serve o povo, e não o serve porque está montada para uma concepção social já vencida.” 

Ele denunciava a profunda separação existente entre a escola e a vida social. Talvez sem o saber – reparai que estávamos no dealbar do século XX – ele intuía a necessidade de desguetizar as escolas e de as transformar num alfobre de comunidades. Antevia um novo ideal de educação, um aprender sem paredes, no convívio com os outros, um ainda mítico implodir da tradicional relação hierárquica entre mestre e discípulo, um aprender junto, na troca de experiências, de ideias e de sonhos, na perspectiva do desenvolvimento da autonomia do educando e dos educadores.

A vasta obra, que ele nos legou reflete preocupações que mantêm atualidade, se relevarmos o seu caráter tecnicista e a situarmos na época em que foi produzida. Os seus escritos sobre alfabetização, sobre a universidade, a avaliação, a formação de professores apelam à prática de uma educação integral. No livro “Introdução ao Estudo da Escola Nova”, afirma:

“O tirocínio escolar não pode ser mais a simples aquisição de fórmulas verbais e pequenas habilidades para serem demonstradas por ocasião dos exames. A escola deve preparar para a vida real, pela própria vida. A mera repetição convencional de palavras tende a desaparecer. Tudo quanto for aceite no programa escolar precisa ser capaz de influir sobre a existência social no sentido do aperfeiçoamento do homem. Ler, escrever e contar são simples meios. 

Quando, cem anos decorridos, eu visitava escolas e entrava nas suas bibliotecas, procurava a coleção de livros, que o ministro Fernando Haddad, em boa hora, havia mandado organizar. Encontrava-a inerte, inútil, abandonada, jamais utilizada pelos professores. Muitos deles, nem sequer sabiam da sua existência. Entre a centena de obras dessa biblioteca elementar, lá estava o livrinho sobre Lourenço Filho.

Muito mal fizeram aos professores do século XX, urdiram uma espécie de conspiração, para manter os professores numa situação de subdesenvolvimento intelectual, científico, profissional. E o mesmo acontecia, já por volta dos idos de vinte deste nosso século. Em pleno século XXI, os teóricos propunham práticas fundadas no paradigma da comunicação. Os educadores desconheciam as propostas da Escola Nova (do paradigma da aprendizagem) do início do século XX. As escolas reproduziam um modelo social do século XIX. 

Muitos professores diziam ter medo de mudança. Medo de quê? De algo que não existia? Medo eu sentia daquilo que existia. Medo de uma escola produtora e reprodutora de ignorância, exclusão, infelicidade.

 

Por: José Pacheco

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