Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMXXVI)

Meda, 5 de julho de 2042

Como vos disse na cartinha de ontem, nesta trocarei o azedume do Jorge por algo mais leve. Contar-vos-ei uma estória dos primórdios do “Reino da Estupidez”.  

Após a morte do Marquês de Pombal, os inquisidores retomaram perseguições e foram além dos autos de fé – o Santo Ofício proibia, ou confiscava “livros proibidos”. No ano de 1779, foi dura a perseguição feita a dez estudantes. Ameaçados, amedrontados, dois deles denunciaram um companheiro autor de um dos livros proibidos. 

Nesse tempo, os estudantes brasileiros estavam mais fragilizados que outros, por não terem, em Portugal, parentes que os protegessem. Um desses estudantes, de nome Francisco, escreveu um poema que ridicularizava o Reitor da Universidade de Coimbra. O poema intitulava-se “Reino da Estupidez” e era uma manifestação de vingança do estudante de medicina por tudo o que, já antes, sofrera nos cárceres da Inquisição. 

Os versos desse poema compunham um quadro pitoresco e sarcástico. E, já no seu prólogo era uma sátira demolidora de um tipo de educação que “se prolongava além do seu tempo”:

“Vai, Poema! Corre as mãos de todos que compõem a Universidade. Diz que o fruto que daqui levam os Legistas é a pedanteria, a vaidade. A reforma trouxe à Universidade alguns mestres dignos de tal nome [mas] reina aqui a Estupidez. 

Segue-se o poema:

“Nesta corte, anos há, se tem fundado uma coisa chamada Academia;

Mas isto, quanto a mim, sem diferença, é um corpo sem alma, 

Que não pode produzir ação própria, ou um fantasma,

Que em bem poucos minutos se dissipa”.

E, então, começa a crítica de uma Universidade que, “solenemente, acolhe a Estupidez”:

“De que podem servir estes estudos, que mais da moda se cultivam hoje?

Sabeis para que presta, neste mundo? Diga-o a Inquisição e mais não digo.

Difíceis de reter são as Ciências, que vieram trazer os Estrangeiros”.

O Francisco referia-se aos “estrangeirados, como Luís António Verney, que, em 1815, viria a propor “uma escola para as mulheres”, que completasse a universidade criada por Dom Dinis (só para homens!), em 1290. 

Em vão o Luís porfiou. Nos idos de sessenta do vigésimo século, as mulheres professoras do “Reino da Estupidez” ainda precisavam de pedir “autorização superior”, para casar-se, provando terem os candidatos a maridos posses suficientes para as sustentar.

Em pleno século XX, numa Assembleia Nacional constituída por uma maioria de professores universitários, assim se discursava:

Nós temos uma doutrina e somos uma força, disse Salazar (…) em Estados fortes, autoritários, sei que a Maçonaria foi exterminada pelo Estado fascista, que a declarou incompatível com a sua própria existência”.

E uma lei foi publicada, obrigando os candidatos a professor a assinar a Lei Cabral (o deputado José Cabral era o diretor-geral dos serviços prisionais), declaração, por escrito, de que não participavam em “organizações secretas, subversivas”. 

Agostinho da Silva recusou assinar tal declaração. Demitido por Salazar, foi para o Brasil, fundar universidades, que eram “uma espécie de jardim de infância dos velhos”, alicerçadas na fraternidade, “sobre uma ideia de esforço comum, para atingir uma verdade que não é já uma verdade puramente intelectual, mas uma verdade também de sentimentos, uma verdade de unidade entre os homens”.

Nos idos de vinte do nosso século, a universidade era bem diferente da de antanho. Embora tivesse perdido o monopólio do saber e apenas conservasse o monopólio dos diplomas, já era unissexo e se ornava de novíssimos diplomas, de robôs e de computadores de última geração.

Por: José Pacheco

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