Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMXXXI)

Foros de Vale Figueira, 11 de julho de 2042

Quando a primeira das pandemias deste século eclodiu, a morte de companheiros e amigos me fez invocar o desaparecimento de um dos maiores educadores brasileiros, vítima de uma pandemia do século XX conhecida como “Gripe Espanhola”. 

O sábio e inspirador Eurípedes desencarnaria em 1918, no auge do projeto que criara, no triângulo mineiro. O Colégio Allan Kardec era uma prática coerente com a letra de um decreto de então, que determinava “uma ampla reforma na educação mineira”, que concretizasse “uma educação integral numa escola ativa”. 

Em 2022, mais de um século decorrido sobre o desaparecimento de Eurípedes do mundo dos vivos, estes organizavam congressos sobre “educação integral numa escola ativa”, criavam empresas fornecedoras de “educação integral numa escola ativa”, universitários teorizavam a “educação integral numa escola ativa”. Todos os tratados sobre “educação integral numa escola ativa” estavam escritos. Só faltava praticar “educação integral numa escola ativa”.

Os debates do início do século XX, embora maquilhados de “inovação”, eram idênticos aos do início do século XIX. As influências da época em que Eurípedes habitou a Terra – a humanista, a realista-científica, a positivista, a escolanovista – ainda que com outra nomenclatura, mantinham-se atuais nos idos de vinte do nosso século.  

A perspectiva de uma educação integral, o desenvolvimento simultâneo de aspectos morais, intelectuais, físicos, espirituais, o respeito pelo pleno desenvolvimento da pessoa, a abolição de castigos e recompensas, a valorização da infância, outra formação de professores, tudo estava mais do que reteorizado e raramente praticado.

Se não, vede! Em 1904 (três anos antes da criação do Colégio de Eurípedes), o jornal A Gazeta assim comentava as reformas operadas na educação: 

A habilitação do professor vale mais que os pomposos programas oficiais, que atualmente fazem o orgulho dos docentes e a ignorância dos meninos. Que remédios sociais podem ser apresentados como mais eficazes e prontos para dar-se um enérgico combate ao analfabetismo no Brasil?” 

Eurípedes foi alcunhado de “elitista”, só porque recorria a “métodos dinâmicos de aprendizagem”. Os seus alunos praticavam observação e realizavam pesquisas. Abolira castigos e exames, instituindo um relacionamento baseado no diálogo, ao contrário “dos moldes pedagógicos” vigentes na época. Foi o Pestalozzi do Brasil, por acreditar que a Escola poderia ser agente transformador da sociedade.

Eurípedes mobilizava a comunidade, para que esta ajudasse as famílias das crianças mais carentes. Havia muitas crianças negras matriculadas e vários professores negros compunham o quadro de professores da sua escola, num tempo em que os discursos racistas, com influências eugenistas, eram comuns.

Nos depoimentos dos seus alunos, apercebemo-nos de que transformou a escola, a partir de um novo conceito de criança e de aprendizagem, da modificação do papel do professor, da reconfiguração dos tempos e espaços de aprendizagem, da reorganização do trabalho escolar, da reelaboração cultural, que antecedeu em mais de cem anos a proposta de uma nova construção social de aprendizagem. 

No ano em que desencarnou, o seu aluno Germano isto escreveu: 

Conversávamos, estudávamos bons livros e admirávamos a natureza, admirávamos o voo dos insetos, o cantar dos pássaros e de preferência de um sabiá de laranjeira, que vinha pousar nos galhos baixos das árvores e encher o ar com sua melodia, esse era o predileto do professor”.

 

Por: José Pacheco

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