Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMLVI)

Borba, 5 de agosto de 2042

Vai para vinte anos, o meu amigo Leo enviou-me uma mensagem contendo uma citação do Mestre Morin:

“Quando um sistema é incapaz de tratar dos seus problemas vitais, degrada-se, desintegra-se ou então é capaz de suscitar um meta-sistema capaz de tratar dos seus problemas: metamorfoseia-se. 

O provável é a desintegração. O improvável, mas possível, é a metamorfose.

Hoje, tudo deve ser repensado. Tudo deve ser recomeçado. Já existe, em todos os continentes, um fervilhamento criativo, uma série de iniciativas locais, no sentido da regeneração econômica, ou social, ou política, ou cognitiva, o ou educacional, ou ética, ou da reforma da vida. 

Estas iniciativas não se conhecem entre si, mas são o viveiro do futuro. Já não chega denunciar, é preciso enunciar.” 

Uma metamorfose educacional, ética, começou a tomar forma concreta, há mais de oitenta anos. E o setembro de vinte e dois viu emergir do caos uma nova construção social de aprendizagem… uma “metamorfose”. 

Comecemos pela origem remota, uma estória que demonstra uma verdade nem sempre evidente: há professores que não usam a pedagogia como mera ciência ou arte, mas ajudam outros aprendizes a aprender a arte de viver. 

Era uma vez, um professor contou-me… 

A estória poderia começar desse modo, porque, ao longo das referidas oito décadas, muitos educadores tiveram as mesmas oportunidades e fizeram tantas tentativas quanto as que fizemos, mas acabaram por desistir. A história da educação deveria ser composta por projetos de desistentes. Talvez se aprendesse mais com os seus anónimos autores do que com os feitos dos bem sucedidos. 

Na base da minha “metamorfose”, três pessoas recordo com ternura. O primeiro foi um professor padre, que entrou na sala de aula e perguntou: 

“O que quereis aprender?”

Foi essa a pergunta fundadora de toda a sua pedagogia: “O que quereis saber?” E aquela que, por décadas, ressou na minha memória de infância. Tinha, nessa altura, dez aninhos. Mas, as privações de infância e as duras lições aprendidas na “Ilha dos Tigres” me conferira maturidade suficiente para entender a atitude do Padre Lima. 

Era homem de questionar, em tempo de Ditadura. E, de padre e professor passou a ”clandestino” Vi-o, pela derradeira vez, no fim da primeira aula da manhã de um certo dia em que o director da escola o invectivou, violentamente, perante a turma:

“O senhor não é um padre! O senhor é um jacobino! Vá ter comigo ao gabinete!” Já não deu a segunda aula. Nunca mais voltou à escola. 

E eu, que desconhecia o significado da palavra jacobino, logo fui ao dicionário. A última herança que esse padre-professor me deixou foi a inquietação que me conduziu ao primeiro passo de uma aprendizagem que também lhe fiquei a dever. De palavra em palavra, de definição em definição, de jacobino passei a revolucionário, de revolucionário a democrata… A curiosidade não me deu tréguas, arrastou-me a muitos serões na biblioteca pública.

Nesse tempo, não imaginaria que a Idade da Educação chegaria no tempo dos filhos dos meus filhos. E não foi demasiado tardio o consumar da “metanmorfose”. No tempo do centenário de Sumerhill, muito para além da proposta de Alexander Neill, de Carl Rogers e de outros libertários, um “meta-sistema” emergia do caos.

No setembro de há vinte anos, era grande a azáfama das turmas-piloto. Adequava-se espaços de aprendizagem.  Atualizava-se espólios de bibliotecas comunitárias. Disponibilizava-se dispositivos de acesso à Internet e eram instaladas plataformas digitais de aprendizagem. Isso e muito mais, ainda em tempo de vida do visionário Morin.

Por: José Pacheco

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