Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMLXIII)

São José do Imbassaí, 12 de agosto de 2042

Netos queridos, vejo com agrado que ledes atentamente as cartinhas que este velho professor vos envia. A pergunta que o Marcos fez é disso prova:

“Avô, o que aconteceu, nos idos de vinte, de que tanto falas, que modificou a educação brasileira e o destino do Brasil?”

Começarei por vos dizer que, há exatos vinte anos, um acontecimento relevante marcou o início de uma mudança de rumo. Uma universidade publicou uma “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!”. Nela se lia: 

“Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável (…) Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.”

Nos meses seguintes, essa “consciência cívica” seria restaurada, se revelaria essencial nas mudanças operadas nos anos seguintes, sobretudo, através da Educação. 

Que o Brasil não era para amadores já nós o sabíamos. Nem a Educação o era.

Para estrangeiros, como eu, era maior o desafio. Tentava libertar-me de resquícios de etnocentrismo e do sarro de europeias arrogâncias. Mas os brasileiros poderiam contar com os estrangeiros quase brasileiros, para a reconstrução nacional. Em breve, teríamos uma educação do futuro feita presente. O Brasil beneficiaria de educação nova, num país novo. 

Se, no outubro seguinte, Darcy faria cem anos, decidimos praticar Darcy. A criatividade do caldo cultural migratório se revelava sem resquícios de neocolonialismo. Os filhos dos filhos dos seus filhos tinham aprendido as lições da história. Descendentes de italianos, alemães, japoneses, árabes, judeus, de orientais e ocidentais povos (e, também, portugueses) aprendiam com os povos originários a reinventar o “povo brasileiro” do Darcy. Acolhiam nas comunidades indígenas ensinamentos de humanizar o ato de ensinar e aprender. 

Aprendiam com os afrodescendentes ser precisa uma tribo para educar uma criança. E com abrasileirados zulus e xhosas adotavam o reconciliador ubuntu. Na favela, onde viviam setenta e cinco por cento dos estudantes brasileiros, se deixavam contagiar pela solidariedade ativa, o sentido de comunidade, que haveria de dispensar milícias e narcotráfico.

Nesse agosto, estava voltando ao meu Brasil, após um ano de ativa permanência no meu país. Por lá, também sopravam ventos de mudança. Finalmente, Portugal seguiria o seu destino, o de desembarcar em… Portugal.

Por falar em destino… certo dia, estava eu descascando ervilhas, flutuando por instantes acima das inefáveis consumições do dia-a-dia e eis que troco as bacias: a casca foi para a bacia das vitualhas destinadas à panela, e as ervilhas para o saco do lixo.

Despertei da búdica meditação ao som das estridentes gargalhadas do meu filho, que vinha acompanhando a função e observou o erro de manobra. Comentei: 

“Que engraçado! Enganei-me no destino!” – profunda reflexão de que não me apercebera, não fora o meu filho gargalhar mais uma vez. 

“Por que te ris, André?”

“Porque disseste que te enganaste no destino.”

E não é que o maroto tinha razão? Intuíra o significado da expressão muito para além do comezinho engano do destino da ervilha. 

O mesmo parecia estar a acontecer no Brasil de há vinte anos.

 

Por: José Pacheco

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