Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMLXXXIII)

Itaboraí, 1 de setembro de 2042

Na cartinha de ontem, dei-vos um exemplo de “ditadura da infância”, um dos muitos sinais de que o modelo educacional herdado da primeira revolução industrial estava ultrapassado, falido. Mas, nos idos de vinte ainda era esse modelo que as famílias praticavam, que a sociedade impunha e as escolas reproduziam.

Por essa altura, a situação se agravava. As criancinhas se alheavam da companhia dos pais, de mãos coladas no celular-telemóvel. Desde tenra idade, quando a criança gritava para impor o seu poder, já não se usava a costumeira chupeta. Para a fazer calar, colocavam-lhe nas mãos um laptop. E os mocinhos cresceriam como seres autocentrados, consumistas, produtos vendidos e revendidos por ocultas corporações, quase bonsais humanos suspensos do torpor de uma espécie de anestesia geral digital.

À distância de vinte anos, poderá parecer-vos inverosímil esta descrição, mas o fato era que crianças viravam zumbis, por efeito da nomofobia, o medo irracional de ficar sem celular. Viciando as crianças em videogames e redes sociais, a fobia se multiplicava em síndromes como a do “toque fantasma”, “náusea digital”, “depressão do facebook”, “hipocondria digital” e outras maleitas.

Nas escolas do velho modelo, quando o sinal tocava para o intervalo, os jovens saiam correndo da sala de aula, tiravam das suas mochilas os seus celulares, estáticos corpos aderiam às paredes dos corredores das escolas e ficavam batendo tecla, até ao sinal de entrada para a aula seguinte. 

Raros eram aqueles que aproveitavam o recreio para uma caminhada compensatória da imposta situação de sentado em sala de aula. Mais raros ainda os que aproveitavam o tempo de lazer para beneficiar de um, ainda que breve, contato com a Mãe Natureza. A obesidade mórbida, a privação de natureza e outras doenças prosperavam.

O nomofóbico sentia-se ansioso, temia estar incomunicável, quando não tinha na mão um celular. Em fases adiantadas da doença, poderia sofrer de sudação espontânea, ter taquicardia, e até sentir tremores. Esse transtorno psicológico decorrente da dependência digital provocava privação de vida real e social, desconforto emocional, depressão, transtorno-obsessivo-compulsivo, cibercondria. A dependência digital gerava cansaço, ansiedade, agitação, irritabilidade, sono durante o dia, falta de concentração, problemas de visão.

Vivíamos uma situação insustentável. Baldadas eram todas as tentativas de melhorar o modelo instrucionista. Foi, então, que o amigo José publicou um textinho que dava pelo nome de “Os Inovadores e os Guardiões da Velha Ordem”: 

“Sabe-se, desde o Príncipe de Maquiavel, que “os inovadores criam inimigos em todos os que prosperam sob a velha ordem”. Daí que seja pertinente procurar saber quem é que prospera na velha ordem educativa. 

Na velha ordem, prosperam os partidários do centralismo, mesmo quando proclamam as virtudes da descentralização e da autonomia. Prosperam, quando se julgam insubstituíveis, quando mandam aplicar urbi et orbi as regras e os procedimentos, que fazem a igualdade formal e iniquidade e a injustiça.

Prosperam as indústrias de explicações privadas que se alimentam da seletividade do sistema e aumentam a desigualdade de oportunidades.

Prosperam os que estão professores à míngua de alternativa profissional, os gestores sem carisma, os profissionais acomodados.

E todos estes realizam, a seu modo, a “fagocitose do inovador”.

O vosso avô já tinha sofrido muitas tentativas de “fagocitose”. Amanhã, vos direi como dela escapamos. 

Um beijo!

 

Por: José Pacheco

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