Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MIII)

Lagoa das Amendoeiras, 21 de setembro de 2042

Com tantas idas e vindas, já nem sabia em que estação do ano eu me achava. Já não era só o jet lag que perturbava o decorrer dos dias de incessantes viagens. 

Num dia de setembro em que o outono acinzentava os céus de Portugal, o Brasil celebrava a chegada da Primavera. Nesse longínquo setembro, a Primavera estava dentro de mim, feita metáfora de novas realizações. 

Na cartinha de ontem, falei-vos de uma visita a uma “escola secundária”. Nesse tempo, as escolas ainda estavam cartesianamente segmentadas: ciclos, anos, fundamental, secundário, médio, superior… Não se sabia muito bem o que o “médio” mediava. Talvez fosse um fosso entre o ensino “superior” e o “inferior”. Talvez… 

Também não se sabia se “secundário” correspondia a uma ideia de supletivo do “primário” (o “primeiro” dos ensinos), se seria o final do fundamental, ou o início do um “suplementar” obrigatório. Enfim! De absurdo em absurdo, o sistema de ensinagem aproximava-se do seu inglório fim. E sobre os escombros, junto à Lagoa das Amendoeiras, acontecia humanização.

A estória que, ontem, vos contei não era inédita. Somava-se a muitas outras situações de barbárie instituída. 

Na base das dificuldades de controlo de impulsos agressivos daqueles alunos, não estaria a presunção da “neutralidade” da relação humana? A degradação do sistema de relações poderia ser um dos fatores de indisciplina. Os professores careciam de interrogar uma Escola sem sentido e de resgatar a solidariedade perdida num solitário exercício da profissão. 

Urgia que o professor se decifrasse a si próprio, para que pudesse decifrar e erradicar violências que se ocultavam por detrás de aparências. As escolas careciam de espaços de convivência reflexiva, dado que os seres humanos eram, implícita ou explicitamente, conduzidos por valores, que eram fundamento ético norteador (ou suliador) do comportamento humano, traduzido numa só palavra. 

No Brasil da década de vinte, a criação do núcleo de projeto marcava o início da reconfiguração de práticas educativas. Os educadores que o constituíam procediam à identificação de valores comuns. Cada educador elaborava uma lista de valores, que considerava serem fundamentais na sua vida. Por vezes, era usada uma dinâmica chamada “árvore dos valores”. Identificados os valores comuns, tomava forma uma equipe de projeto. 

A partir do inventário de valores, era elaborada uma carta de princípios e estabelecidos os acordos de convivência. Desse modo, as escolas eram consideradas espaços públicos, nodos de redes comunitárias. Devolvia-se a escola à comunidade, na partilha da responsabilidade de educar, nomeadamente na interação com a área da saúde pública, a arte e a cultura.

Entre a escola, o bairro, a habitação, o clube desportivo, a associação cultural e recreativa, o local de trabalho ou de lazer, eram estabelecidas correntes de interação humana capazes de dar sentido ao quotidiano das pessoas e, assim, influenciar positivamente as suas trajetórias de vida. 

Assim se contribuía para a criação de espaços que, pela sua densidade antropológica, podiam servir para ajudar a despertar a vocação humana para a transcendência e, nessa medida, funcionar como verdadeiros laboratórios de laços sociais, onde a vinculação ética ao outro tivesse a marca da solicitude mútua, do respeito e da sensibilidade. 

Potenciado em práticas de autêntica relação social, o reconhecimento intersubjetivo se apresentava como condição de convivência, de paz e solidariedade, valores reclamados pelo mundo contemporâneo.

 

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