Lagoa de Araçatiba 19 de outubro de 2042
No hemisfério norte dos idos de vinte, as grandes potências mundiais ainda persistiam em pôr risco o futuro da Humanidade, que diziam “defender”. A Otan mantinha o treino de guerra nuclear e desafiava a Rússia. A Rússia mobilizava duzentos mil e divulgava treinamento para guerra nuclear. A Alemanha dizia ser “chantagem do Kremlin”, que não deveria ser levada a sério.
Pelas bandas do sul, eu desgastava os neurónios na busca de uma explicação para essa e outras loucuras. E para o fato de, em pleno século XXI, ainda haver misoginia, homofobia, tortura… guerra.
Aventei uma hipótese. Talvez a resposta estivesse na educação – familiar, social, escolar – que, nesse tempo, predominava, um modelo educacional gerador de múltiplas ignorâncias, caraterizado pela corrupção moral e intelectual. E, como toda a educação resulta do exemplo…
Sabíamos que os projetos humanos traduziam uma determinada visão de mundo, que escolas eram pessoas e que as pessoas eram os seus valores. Talvez por isso, os Românticos Conspiradores tivessem aprovado uma “Declaração de Princípios”:
“Somos pessoas conscientes de que os modelos educacionais e as práticas educativas possuem decisivas condicionantes socioculturais. Este fato exige que, para a transformação da Educação, tenhamos de ultrapassar seu âmbito restrito, englobando as dimensões sociais, políticas e culturais.
Temos a convicção de que a educação atualmente praticada não contribui para que as gerações futuras tenham condição de superar os cruciais desafios postos para e pela humanidade. Mais do que isso, essa educação acaba por incentivar a formação de pessoas que tendem a reproduzir o modo de pensar, sentir, agir e viver, que produziram tais desafios. Para que os atuais paradigmas educacionais possam ser superados, é necessário estabelecer novas concepções, que apontem formas alternativas de pensar, estruturar e praticar a educação.”
Por esse tempo, inspirados no exemplo dado pelos RC, muitos núcleos de projeto surgiam, secretarias de educação e agrupamentos de escolas despertavam de uma crónica letargia pedagógica. Em Portugal, estabelecemos o diálogo com um ministério, que beneficiava de estabilidade política. No Brasil, após quatro anos de destruição, ajudávamos a reconstruir um “sistema” renovado pela prática de Darcy e a atualização da proposta desse Mestre.
Para tal, foi necessário transpor obstáculos. Nas suas breves, mas excelentes crônicas, a minha amiga Tina assim descrevia um desses obstáculos:
“Conheço discursos lindos, que falam de autonomia e protagonismo dos estudantes. Condenam a educação bancária e a figura do aluno como depositário. Levantam títulos de construtivista, piagetiano, de educação híbrida, sala invertida, com pedagogia de projetos e que aplicam metodologias ativas.
No entanto, na prática, são instrucionistas. Trabalham em linha de montagem, com aulas expositivas, alunos ouvintes, carteiras enfileiradas, professor detentor do saber, apostilas padronizadoras, provas de memorização e rituais robotizados.”
E terminava citando Freire: “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática.”
No outubro de 2022, fui até à FLIM – Feira Literária Internacional de Maricá. Nela, conversei com a Adriana, a Cláudia, a Andrea e muitos professores. Me encontrei com o incansável Roberto e escritores. E, quando observava crianças e adultos em volta de livros, compreendia que o tempo da coerência estava a chegar.
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