Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MXXVIII)

Tekoa Ka’Aguy Ovy Porã, 18 de outubro de 2042

No outubro de vinte e dois, assisti a uma insólita situação. Cada qual para seu lado, um casal batia tecla nos seus celulares, quando o marido exclamou:

“Olha aqui! Olha aqui! Diz aqui que restos humanos de mais de 240 pessoas foram encontrados no Reino Unido.”

A esposa suspendeu o seu fofoqueiro exercício, acessou o mesmo site de notícias, copiou o título e o replicou pelos mais de duzentos contatos de WhatsApp. Depois, voltou ao seu comunicativo afã, numa rede social, onde a notícia já… “viralizava”.

Seriam fake news? Não eram. Porém, aqueles internéticos consumidores apenas tinham lido o título da notícia. Se tivessem continuado a leitura, chegariam à mesma conclusão dos arqueólogos que examinaram os restos mortais. Eram corpos de vítimas de um ataque do último príncipe de Gales… em 1405.

Não seria preciso recuar cinco séculos, para ler notícias como essa. A barbárie era a norma na Europa “civilizada”. Mas, a pressa de voltar à fofoquice não permitia o acesso a outras notícias:

“Foi descoberto um comboio de carros, com vinte civis mortos a tiro dentro das suas viaturas, na Ucrânia”.

“Um pequeno autocarro foi completamente queimado. Nele estavam quatro corpos deitados nos bancos, um dos quais parecia ser de uma criança”.

E dizia o Oleg:

“Os ocupantes [russos] atacaram aqueles civis, que tentavam escapar aos bombardeamentos. É uma crueldade que não tem justificação”.

“Ataque a tiros em escola na Rússia mata quinze pessoas, onze delas crianças. O autor do crime vestia uma camisa estampada com uma suástica”.

“Na Bahia, um adolescente armado invade escola, dispara contra alunos e mata estudante. Vítima tinha 19 anos e era cadeirante. O atirador foi ferido por um tiro e levado para um hospital, na cidade de Barreiras”.

Admito que, à distância de duas décadas, seja para vós difícil conceber que, no mundo dito civilizado dos idos de vinte, atrocidades fossem cometidas. Mas certo é que os jornais delas davam notícia.

Nos idos de vinte, o desgoverno do mundo era aliado da indústria de armamento. E, enquanto tenebrosas empresas obtinham grossos lucros, a humanidade descia a níveis de incivilidade inimagináveis.

Em 1940, quando a Segunda Guerra Mundial alastrava pela Europa, Chaplin realizou um filme genial, uma metáfora, um apelo à fraternidade, num momento histórico em que a tirania prosperava.

“O Grande Ditador” terminava com o célebre “Discurso à Humanidade”. Nos tempos sombrios dos idos de vinte, enviei aos meus amigos educadores alguns excertos do discurso do “ditador”. Sabia que eles iriam entender a mensagem…

“A ganância envenenou a alma do homem, criou uma barreira de ódio e nos guiou no caminho de assassinato e sofrimento. Desenvolvemos a velocidade, mas nos fechamos em nós mesmos. Nosso conhecimento nos fez cínicos; nossa inteligência nos fez cruéis e severos.

Pensamos demais e sentimos muito pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de gentileza e bondade. Sem essas virtudes, a vida será violenta e tudo será perdido.

O ódio do homem vai passar e os ditadores morrerão. E o poder que que eles tomaram das pessoas, vai retornar para as pessoas.

Não se entreguem a esses homens cruéis. Homens que desprezam e escravizam, que querem reger suas vidas e dizer o que pensar, o que falar e o que sentir. Não se entreguem a esses homens artificiais, com mente e coração de máquina.

São Lucas escreveu: “O Reino de Deus está dentro do homem” — não de um só homem, mas de todos os homens!

Vamos dar fim à ganância, ao ódio e à intolerância.”

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