Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MXLV)

Iguá, 5 de novembro de 2042

Os primeiros visitantes da Ponte partiam levando consigo cópias de trabalhos feitos pelas crianças, exemplares do jornal da escola e outros “souvenirs”. Os mais interessados em compreender o funcionamento da escola demandavam documentos “do início do projeto”. Dávamos-lhes a ler o projeto “Fazer a Ponte”.

“Colega, é só isto?” – questionavam.

“Só isso. E isso é tudo. Tudo o que é necessário. Definimos valores comuns (autonomia, responsabilidade, solidariedade), fizemos um enunciado de princípios, estudamos juntos, sem fazer das crianças cobaias de laboratório”.

Partíamos das nossas dificuldades de ensinagem. Fazíamos aquilo que sentíamos ser nosso dever, com o quanto baste de intuição pedagógica, que nem o Piaget nos fora ainda apresentado. Até que o curso de ciências de educação me mostrou que aquilo que fizéramos com denodo e extremo cuidado era uma prática que tinha… teoria. 

Muito se escreveu sobre idiossincrasias pontistas, nem sempre a propósito. Foi publicado um sem número de dissertações e teses, fomos chamados à televisão, requisitados por congressos e faculdades. Até que chegaram os pesquisadores… muito úteis os olhares externos, para quem só via por dentro.

Identificamos erros. Fizemo-nos, talvez, mais humildes, pois tomámos consciência de que tudo o que até então pensávamos ser criação nossa já fora proposto há mais de meio século. Mas, confesso que foi uma desagradável surpresa a notícia de que na academia ainda havia salas de aula. 

No início deste século, o amigo Nóvoa escrevera:

“A Escola da Ponte é “uma escola extraordinária, justamente por não ter nada de extraordinário: é uma escola pública como as outras, num lugar como tantos outros, com alunos e professores iguais a muitos outros. E com esta matéria-prima se tem vindo a fazer, graças a um trabalho metódico, persistente e coletivo, uma escola notável.

Júlio Cortázar escreve que uma ponte só é verdadeiramente uma ponte quando alguém a atravessa. Os colegas da Escola da Ponte já fizeram muitas travessias. Pelo deserto ou pela floresta, eles sabem que não estão sozinhos nas travessias que têm pela frente.”

Já no início deste século, Nóvoa também afirmaria que, nas escolas do futuro, não haveria salas de aula. 

O mistério se adensava. Os académicos reafirmavam que “o centro era o aluno”, enquanto davam aulas centradas no professor – Pois!… A academia dava o exemplo, as escolas o seguiam – “olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço”. Porquê? Seria algum sintoma de esquizofrenia? Seria outra coisa, que eu não me atreverei a dizer?

Somente por volta do fim da primeira pandemia, o Mestre Pedro deslindou parte desse mistério, escrevendo a propósito da “pedagogia do amor”.

“Fica o gosto amargo de hipocrisia institucional, ao vermos que nosso sistema de ensino é tudo, menos pedagogia do amor. 

Vejo alguns educadores encantados com a ideia, pelos quais tenho o maior respeito, sei de sua integridade e competência acadêmica, mas fico pensando até que ponto é viável curtir esta ideia da pedagogia do amor, não só porque é estranha ao contexto eurocêntrico cartesiano, mas porque soa a cortina de fumaça para encobrir uma política educacional incrivelmente perversa. 

A série histórica do Ideb escancara um sistema inepto, para não dizer inútil, sem perspectiva de mudança. A miséria educacional atravessa os governos, independentemente da ideologia, porque o instrucionismo é a postura padrão, hoje globalizada: o sistema é tipicamente de “ensino”, instrução, baseada na aula copiada para ser copiada, conteudista.”

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