Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MXC)

Bosque de Itapeba, 20 de dezembro de 2042

Netos queridos, ficastes surpreendidos por eu ter mencionado a palavra xenofobia na cartinha ontem enviada. Compreendo a vossa reação. Viveis num tempo em que é impensável regressar a práticas sociais de outros tempos, quando o racismo era uma praga estrutural.

A Europa continuava racista e xenofóbica. E, no Sul, mentiras e meias verdades estabeleciam os contornos de um diáfano manto de fantasia, que não conseguia ocultar uma dura realidade: eram privados os vícios e públicas as virtudes.

Quando me perguntavam por que optara por viver no Brasil, eu respondia que a vida é serviço e que o que eu pretendia era apenas ser útil. Se me perguntavam por que insistia em melhorar a Educação, eu respondia que seria pela Educação que a Vida poderia ser melhorada, e que havia situações a precisar de regeneração.

Pediam-me para dar exemplos de necessidade dessa regeneração. E eu lhes dizia que não gostava de quebra-molas na estrada e que o voto obrigatório não do meu agrado, porque o voto era um direito e o quebra-molas punha em causa o meu exercício de cidadania.

Europeu que, cultural e civicamente, ainda eu era, sempre exercera o meu direito de voto sem ser coagido. E, enquanto cidadão e motorista, sempre cumprira a lei, o código da estrada. Incomodava-me haver instrumentos de limitação de velocidade e de punição de infrações. Necessária seria uma educação cidadã.

Me inquietava a desvalorização da vida e da obra de insignes educadores brasileiros. Se os seus compatriotas as conhecessem, talvez tivéssemos um país melhor. Mas nem os professores conheciam. Era raro encontrar nas instituições de formação de professores as obras de Lauro e Nilde.

A lista dos ostracizados era extensa. Cito apenas Lauro Lima e Maria Nilde, cujo sonho foi o de desenvolver a humanidade nas pessoas. Pagaram caro esse intento, perseguidos e humilhados durante a ditadura.

A educação familiar e social reproduzia um modelo social iníquo. E como custava ver como uma Escola alienada, colonizada, reproduzindo um modelo educacional causa de desigualdade e exclusão! Causava desgosto assistir a situações de casa grande e senzala, em novas versões. Entristecia ver um povo privado do mais elementar senso crítico, cativo de crendices e fundamentalismos.

Muito mais me indignava assistir ao elogio da mediocridade, à manutenção da obsolescência e ao degradante espetáculo da depreciação do trabalho daqueles que tentavam recuperar a memória de Lauro, Nilde e de outros mestres.

Havia quem os celebrasse. Eram poucos, mas os havia. E assim respondiam aos seus detratores:

“Escrevo isso porque, sendo um pedagogo “panfletário” (como diz Meirieu), confesso que me senti desconfortável, quase vesti a carapuça e me senti acusado de “ayatolaismo”. Mas, não acredito que essa visão ajude a analisar ou a lidar positivamente com a imensa mediocridade, o fracasso retumbante de nossas redes de escolas, onde pessoas que têm a vocação de estar todo dia com crianças e jovens no nosso lindo “chão de fábrica” abrem livros didáticos, nos quais se gastam bilhões, e dão aulas.

É surreal que essa forma tão caricatural de colocar as coisas ainda seja válida. O meu orientador de mestrado me disse que “não se lançam foguetes ao espaço com interações sociais”. Eu diria que nem combatendo moinhos de vento ou inimigos imaginários, mas começando por reconhecer a grande complexidade das coisas e o nosso fracasso, enquanto sociedade. E de nos dotarmos de redes de educação capazes de formar pessoas que pensam de forma autônoma e são competentes para colaborar.”

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