Sobral, 20 de janeiro de 2043
Quisestes saber por que critiquei a “sobralização” dos idos de vinte e aqui vos deixo mais algumas “explicações”.
Sempre que ouvia falar de algum projeto “dissidente”, eu viajava para os observar e aprender. Viajei Portugal e a Europa, de lés a lés. Fui até à África, à Índia, ao fim do mundo.
Quando ouvi falar de uma famosa escola sul-americana, aceitei o convite recebido e fui até à Colômbia. Decepção total! Não passava de mais uma importação de projetos que tinham dado errado na América do Norte, na versão digital.
Rumei ao norte da América. Visitei universidades, fundações, escolas. Em Nova Iorque, de sala em sala, percorri um espaço a que chamavam escola, mas que se assemelhava a um cassino. Os alunos jogavam skynerianos videogames, sem lhes entender o sentido. E fiquei preocupado, quando me apercebi de que a universidade brasileira já se apaixonara pela “gamificação”.
À revelia de fundamento científico sólido, especialistas em games tinham concebido plataformas que disponibilizavam uma narrativa base estruturada, que conduzia os alunos a experiências imersivas e interativas.
Os jovens recebiam desafios e precisavam vencê-los para “passar de ano”. A “educação empreendedora gamificada” era, por regra, a recuperação do modelo industrial taylorista apoiado no digital e mais uns pozinhos de psicologia comportamental produtora de robotização. E só o filho da Bianca foi exceção à regra
Entretanto, soube que um norte-americano havia “inventado” algo a que deu o nome de flipped classroom, vulgo “aula invertida”. Fui xeretar. Em que consistia? Numa ensinagem “invertida” em sala de aula.
Era mais do mesmo, o instrucionismo na sua fase delirante. O professor deixava na internet e na sala de aula o material que deveria ser trabalhado, armazenado numa plataforma digital. O guia “flipped classroom “ estabelecia que o professor liberasse o tema a ser aprendido, mas sem ensiná-lo. E que selecionasse algumas fontes para estudo. Depois, o aluno consumia currículo, fora da escola, desde que não fugisse do tema proposto. Ridículo “trabalho de casa”!
Cem anos antes, o Celestin e a Elise tinham feito exatamente o mesmo, mas sem computadores. E, há décadas, a Ponte havia imitado Freinet e abandonado essa prática.
Esse paliativo acabou encaixado num outro, a que chamavam “ensino híbrido”, originalmente designado por “aprendizagem misturada” (Blended Learning).
Em abono da verdade e em bom português, esse paliativo deveria ser designado por ”aprendizagem misturada”. Por que o batizaram de “ensino híbrido”?
Era uma mistura de práticas do paradigma da aprendizagem com práticas do paradigma da instrução, miscelânea de ensino a distância e presencial. Como era caraterística das propostas neoliberais os méritos da “novidade” eram demonstrados em “resultados”. Uma universidade norte-americana havia adotado a flipped classroom. E se concluía que os alunos obtiveram “ganhos de aprendizado de até 79%”. Santa ingenuidade universitária!
A substituição da palavra “aprendizagem” pela palavra “ensino” não acontecia por acaso. Era reflexo do condicionamento operado no seio de práticas sociais, que a racionalidade burocrática produzia e que a patetice da administração educacional reproduzia.
Mas, o que dizer da universidade, que convidava norte-americanos, finlandeses e outros estrangeiros para fazer cursos de introdução de paliativos?
Quando lhes dirigi essa pergunta, responderam com silêncio e cinismo.
E Sobral? Também, teria comprado alguma das “novidades”?
Adivinhai!
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