Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXXIV)

São Francisco Xavier, 23 de janeiro de 2043

Foi isso mesmo, netos queridos. Decidi viver, sem deixar de cuidar daqueles que, no chão da escola, continuavam a sofrer maldades. Porque, ao longo de mais de cinquenta anos, impotente, eu tinha assistido à deserção de bons companheiros, de excelentes educadores a quem roubaram os sonhos. Não passava um dia que não chegasse ao meu computador mensagens feitas de tristeza e resiliência.

“É frustrante ver essa chama apagar-se, a cada ano que passam dentro e fora da escola. Elas passam a ocupar seu tempo com banalidades e passatempos inúteis, em sites de relacionamento artificiais, em joguinhos que as façam esquecer da própria vida, consumindo o que esse mundo materialista oferece como sendo verdadeiro.
Questiono professores e pais: o que estamos a fazer de nossas vidas? Por que será que tantas pessoas escolhem permanecer na mediocridade, ou ocupam o seu tempo denegrindo outros?

As Cartas a Alice me fizeram lembrar o quanto é difícil lutar contra o “sistema” e a cultura do atraso do “pão e do circo”, do “fazer de conta que se ensina e se aprende”, ou do “fazer de conta que está tudo bem”.


O que me faz manter a fé no ser humano é ver cada geração que nos passa pelas mãos se transformando, escolhendo o bem, tornando-se mais humana. Acredito que cada criança bem cuidada se tornará multiplicadora de uma nova visão de mundo. Há tanta coisa a fazer, mas tenho a convicção de que os filhos dos filhos de nossos filhos viverão uma realidade bem diferente, cujas sementes plantamos hoje e até o final desta nossa jornada.”

Na casinha do Bosque, sobrava-me tempo para conversar com aqueles que, no início do projeto, assumiram a difícil tarefa de coordenar uma equipe composta de extraordinários educadores. Escutava-os. E, se considerasse oportuno, aconselhava, embora ciente de que nada pior do que um velho para complicar a vida dos novos.


Gastava parte substancial do dia a atualizar velhos livros, como aquele que para ti escrevi, querido Marcos:

“Não é em vão que alimentamos a esperança. Só custará aceitar que a minha geração já por cá não ande, nesse tempo em que a Educação será, finalmente, encarada como assunto sério.


Escrever sobre o ofício de educar é sempre um exercício precário. Por mais que o desejo desenhe possíveis futuros, escrevo para os filhos dos filhos dos nossos filhos. Ser esperançoso também é isto: escrever para os netos, na apaziguadora certeza de que eles serão os nossos olhos e as nossas mãos, quando os seus filhos forem, finalmente, as crianças felizes e sábias que eu desejaria todas as crianças hoje fossem.


O que nos resta como deliberação é o primeiro passo, acolher cada afago do destino como primeiro e derradeiro, e encarar a fealdade dos dias como possibilidade do belo.”


Da janela da casinha, ficava observando a gênese da utopia e insistia em descrevê-la, para que ela jamais sucumbisse. Acreditar e viver a utopia era realizar o que, antes da criação dos círculos de aprendizagem, parecia ser impossível. E a transposição dos “impossíveis” tornava mais resiliente a equipe.


No final de janeiro, chegavam o Conrado e a Ludmilla. E eu me retirava, mais ou menos discretamente, para dar lugar ao futuro.


Maturana dizia-nos que a educação acontecia na convivência, de maneira recíproca entre os que conviviam. Por isso, inaugurando uma nova construção social de aprendizagem, desenvolvendo um sistema ético baseado no saber cuidar, abandonávamos estereótipos e preconceitos, transformávamos uma escola obsoleta numa escola que a todos e a cada qual daria reais oportunidades de aprender e de ser.

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