São José d’Imbassaí, 26 de janeiro de 2043
Hoje, junto à cartinha do dia, não uma imagem, mas um endereço do YouTube de vinte anos atrás. Tomai-o como prova de que, mesmo nesses tempos sombrios, havia quem produzisse beleza em público. Só faltava semear beleza na escola pública.
Nesse tempo, reuni as parcas energias sobrantes de mais de meio século de militância, agreguei pessoas em que acreditava, e nos lançamos na criação da primeira comunidade de aprendizagem de que há memória. Tarefa hercúlea, porque assomaram os vícios herdados de culturas hierárquicas e autoritárias. E nos desgastamos no estabelecimento de novas relações de poder.
Fizemos entrega ao poder público de uma minuta de Termo de Autonomia. Substituímos presidências e direções (com dever de obediência hierárquica) por órgãos de direção e gestão democráticos. Tomamos decisões colegiais na prática concreta de sociocracia.
Deixava para os vindouros, uma pesada herança. Sem nunca ter desistido, tinha falhado em quase tudo. Fizera muitas besteiras, as maiores das quais se chamaram Ponte e Âncora. Ajudara a produzir excepções, confirmando a regra.
Em meados dos anos setenta, os meus “heróis” da jurisprudência introduziram na Lei de Bases um artigo que rezava que, em decisões de política educacional, critérios de natureza administrativa não se poderiam sobrepor a critérios de natureza científica. Acompanhei doutores em Administração Escolar na feitura do Enquadramento Jurídico da Autonomia das Escolas, uma lei de fevereiro de 89. Foram três anos de intenso labor, para que as escolas pudessem dispor de condições de democraticidade. Decorreriam mais oito anos até à publicação do decreto da autonomia.
No Brasil, a LDBEN também albergava um artigo referente à autonomia das escolas. Por isso, foi possível criar alguns precedentes e levar a administração a produzir inovação normativa.
Em 2018, a Secretaria de Educação do Distrito Federal lançava a Comunidade de Aprendizagem do Paranoá. E, no ano seguinte, a mesma secretaria publicava a portaria do Grupo de Trabalho encarregado de preparar a criação de uma rede de comunidades de aprendizagem.
Entretanto, Mogi das Cruzes seguia o exemplo de Brasília. E, chegados a 2022, a Secretaria de Educação de Maricá me pediu ajuda para criar condições de funcionamento de uma rede de comunidades. A primeira, a que foi dada a designação de Comunidade de Aprendizagem do Bosque de Itapeba (CAB), resultou de decisão tomada na primeira reunião do grupo de trabalho, realizado em janeiro de 2023.
Importa recordar estes fatos, para que se perceba que quase meio século havia decorrido sobre o primeiro assomo de autonomia da Ponte. Por mais de meio século, experienciara um universo de irrealizações. Marginalmente, percorrera os caminhos das reformas tentadas pelo “sistema”. Estivera atento a estudos, marcados pelo “eterno atraso”, de que nos falava o Antero, já em 1871:
“Dessa educação, que a nós mesmos demos durante três séculos, provêm todos os nossos males presentes. As raízes do passado rebentam por todos os lados no nosso solo: rebentam sob forma de sentimentos, de hábitos, de preconceitos.”
Em finais de 22, saí de cena, legando aos vindouros precedentes jurídicos que permitiriam ao poder púbico e a uma equipe constituída por excelentes educadores a missão de conceber em Maricá uma nova construção social de aprendizagem e educação.
“Era o fim do mundo!” – queixavam- se os presidentes, os diretores e os burocratas.
Enganavam-se. Era apenas o princípio.
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