Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXXXIX)

Trancoso, 7 de fevereiro de 2043 

Na década de sessenta, pela primeira vez na história da educação, se assevera que “a expressão escola de comunidade procura significar o desenquistamento isolacionista da escola tradicional”. A Escola, no futuro, passaria a ser um nodo comunitário. E a escola não se reduziria a um lugar fixo murado. 

Quem assim a definia era o Mestre Lauro. Antes dele, apenas dispúnhamos de definições “híbridas”, pois tratavam de “levar a escola para a comunidade”, ou “a comunidade para a escola”, mantendo intacta a estrutura instrucionista.

Lauro parte de Piaget, para a crítica da “pedagogia predial”, reafirmando que a escola não era um prédio, sugerindo que as escolas seriam pessoas… em comunidade. 

Embora a expressão comunidade de aprendizagem não surgisse explícita na obra de Lauro, já se manifestara no Brasil, desde o final do século XIX e início do vigésimo século, num pout pourri de tendências e práticas. Os ideais de Zola, Louise Michel e os princípios de Francisco Ferrer se manifestavam, a humanização da escola acontecia da colônia que Pedro II ofertara ao libertário Rossi a Alessandro Cerchai e a sua Escola Libertária Germinal, do colégio de Eurípedes à comunidade terapêutica da Nise, da Itatiaia de Agostinho, aos vocacionais de Nilde. 

Um pacto de silêncio se formou em torno de iniciativas como a Universidade Popular de Ensino Livre, do Rio de Janeiro e as Escolas Modernas de São Paulo e de Bauru, da primeira década do século XX. Quem ouviu falar da Escola Germinal, do Ceará, da Escola Social, de Campinas, da Escola Operária, de Vila Isabel, e da Escola Moderna, de Petrópolis? Os professores de Porto Alegre saberão que, em 1906, havia por lá uma escola com o nome de Elisée Reclus?

A minha amiga Amélia, da Casa Redonda de Carapicuíba, presenteou-me com um esboço elaborado por Lauro de Oliveira Lima, no início da década de sessenta. A visão percussora do Mestre Lauro impressiona. Embora marcado pela época, o esboço antecipou em trinta anos os primeiros estudos conhecidos sobre comunidades de aprendizagem de origem anglo-saxônica e catalã. 

O meu espanto foi maior, quando li a produção científica brasileira disponível sobre comunidade de aprendizagem, nos idos de vinte. As referências bibliográficas e as práticas estudadas eram quase todas importadas. Mais ainda: apercebi-me de um absoluto desconhecimento da produção teórica do Lauro e de outros brasileiros por parte dos autores dos estudos – a tradicional síndrome do vira-lata na comunidade científica brasileira?

Por que razão tomei a iniciativa de escrever um livro com o título “Aprender em Comunidade”? Para suscitar o interesse pelo conhecimento da biografia e da obra de educadores brasileiros ignorados pelos educadores brasileiros. Para procurar entender por que falharam as nobres tentativas de mudança tentadas por Freire, Florestan e tantos outros grandes mestres. 

Na preparação desse livro, deparei com a existência de um denominador comum nas obras desses mestres: cada qual a seu modo, referindo, ou não, a palavra comunidade, apontaram para a necessidade de aprender em… comunidade de aprendizagem.

O dia 11 de fevereiro viria a marcar o início da concretização de uma utopia. Recriando vínculos, reelaborando práticas, se alcançava a consumação de mais um freiriano “inédito viável”. Uma nova educação emergia do sonho de todos nós, o de formar o cidadão democrático e participativo, sensível e solidário, fraterno e amoroso, o ser humano dotado de educação integral, liberto da escola-caserna, no contexto de uma comunidade.

Por: José Pacheco

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