Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXXXV)

Alto Alegre, 3 de fevereiro de 2043

Na cartinha de ontem, falei-vos de “cidades educadoras” e “territórios educativos”. Nos idos de vinte, eram expressões em voga nos círculos de debate de acadêmicos ociosos. Na prática, essas cidades e territórios apenas existiam no texto de documentos de política pública – como a “Carta de Barcelona” – e nas cabeças de teoricistas.

Nessa altura, uma das expressões muito na moda propiciava elevados lucros a empresas organizadoras de congressos e ações de formação, e era objeto de milhares de teses e palestras. Refiro-me à expressão “escolas inovadoras”.

Todavia, sempre que o vosso avô escutava um palestrante falar de “escolas inovadoras”, e lhe pedia-lhe que indicasse o paradeiro de uma dessas escolas (para que eu pudesse visitá-las, conhecê-las), ninguém sabia indicar o seu paradeiro. Era mais um objeto de estudo inexistente.

Como seria possível uma “escola inovadora” sobreviver no contexto da reprodução de um obsoleto modelo escolar e social? Achamos uma reposta, partindo de perguntas como estas: 

Como pensar uma cidade sustentável, sem uma educação sustentável? Como pensar uma gestão pública compatível com os desafios de uma nova forma de relação do cidadão com o seu habitat? Como compatibilizar a necessidade de mudança com o aprender a ser e fazer diferente? 

A resposta poderia ser: uma nova educação para uma nova cidade. Pensar educação de boa qualidade, efetivamente inovadora, pressupunha integrar múltiplas dimensões da atividade humana e rever o modo como o subsistema de educação propiciava protagonismo na vida social. 

Espaços de intensa densidade antropológica poderiam funcionar como verdadeiros laboratórios de laços sociais onde a vinculação ética ao outro tivesse a marca do respeito mútuo. A integração de atores estratégicos, direta ou indiretamente, participantes do projeto, viabilizaria o esforço dos educadores na co-criação de uma rede de suporte de mudança das práticas educacionais.

Direis serem utópicas estas considerações. Bem pelo contrário! 

Já que falastes de “utopia”, vos direi que, enquanto para alguns utopia era um ideal inatingível; para outros tratava-se de uma meta a ser concretizada, de um sonho perfeitamente realizável. Havia quem idealizasse o real e realizasse o ideal, na superação do paradigma instrucionista. 

No fevereiro de há vinte anos, a convite do vosso avô, utópicos e sonhadores se juntaram a uma extraordinária equipe coordenadora de um projeto de formação, que efetuou profundas alterações nas escolas e em múltiplos espaços sociais, políticos e culturais. E as escolas puderam (enfim!) agir como espaços públicos, nodos de redes comunitárias. 

Não se tratava de instalar a atividade escolar em outros espaços, escolarizando ainda mais a família e a sociedade, mas de desenvolver a percepção dos territórios como elementos educadores, por meio dos quais se aprendia, participando de transformações pessoais e sociais.

A escola e a cidade poderiam constituir-se em espaços educadores, que possibilitassem o encontro dos sujeitos históricos cocriadores de novas oportunidades educacionais integradas na vida comunitária. Pois já Anísio tinha dito ser necessário erigir prédios de escolas nas proximidades das áreas residenciais, para que as crianças não precisassem de andar muito para alcançá-los.

Enquanto uma insana administração educacional desperdiçava fortunas em transporte escolar e na edificação de “elefantes brancos”, discretamente, algo inédito, sustentável, útil e inspiradoramente replicável surgia. 

Por: José Pacheco

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