Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCL)

Orla do Marine, 18 de fevereiro de 2043

“Quando nos foi pedido que organizássemos uma rede de comunidades, o primeiro passo foi o da criação de um círculo de aprendizagem. Isso fizemos. Adquirimos um espaço e para lá levamos as nossas crianças.” – Há vinte anos, a Bruna assim explicava a “primeira pedra” de um projeto que ficaria na história da educação.

No Brasil, tudo começava depois do Carnaval. Cumprindo a lei, as famílias tinham efetuado a matrícula dos seus filhos. E um sistema cego e obsoleto os atirou para escolas distantes do seu círculo de vizinhança. Conscientes dos malefícios da escola instrucionista, aqueles pais jamais permitiriam que os seus filhos fossem metidos numa sala de aula. 

A reação da escola foi a de dizer que não havia “vaga”, acompanhada de ameaça:

“Se for feita a matrícula, os alunos terão de cumprir “75% dos dias letivos”. Se não, “será marcada falta” e poderão “reprovar o ano”.

Se havia escolas perto da residência das crianças, por que razão seriam obrigadas a deslocar-se para longe do local onde viviam?

A pedido da comunidade, eu intervim. E perguntei:

“Por quê 75%? Por que não 76%, ou 74%?”

“O que significa “não ter vaga”? Teriam lido a Constituição? Ela nos diz que a Educação é um direito de todos e ninguém pode alegar o desconhecimento da lei.”

Teriam consciência de que ameaçar sem caução da lei e da ciência, essa atitude poderia tomar a forma de “assédio moral”

A título de comentário: 

Sendo muito baixo o seu IDEB, saberia a escola que, se não cumprisse o preceito constitucional, isso poderia significar prática de crime de “abandono intelectual”?

Solicitei a leitura do projeto da escola. Percebi que não sabiam do seu paradeiro. Quando consegui ter acesso ao documento e à observação da prática, verifiquei que o projeto não estava a ser cumprido. E, se a prática contrariava o teor do projeto escrito, isso poderia indiciar crime de falsidade ideológica. 

Continuei perguntando.

“Por que deveremos permitir que as crianças entrem num “serviço militar obrigatório aos seis anos” (esta expressão é da autoria do meu amigo Tião Rocha)?

“Por que existe sala de aula? Qual o seu fundamento científico?”

Era nenhum!

Poderia juntar mais um longo rol de perguntas, que nunca foram respondidas. Mas, se a estas respostas não foram dadas, quedei-me pela reivindicação do cumprimento da lei.

A lei nos protegia do autoritarismo. E o Mestre Pedro oferecia-nos o “quanto baste” de fundamentação científica. Lede o que ele escreveu:

“Escolhi algumas ideias que mais provocam atenção ou mesmo espanto em sua proposta, marcada ostensivamente para garantir a aprendizagem do estudante. Começo com a dispensa da aula. 

O sistema brasileiro de ensino é fundado em aula. Praticamente só! Ao professor não ocorre que a escola possa ser diferente de apenas oferecer aula, prova e repasse. Em parte, isto se deve à formação docente na faculdade, onde só teve aula e foi “deformado” para dar aula.

Adere ao “instrucionismo”, a prática escolar de reduzir aprendizagem à absorção passiva de conteúdo. Inclui ainda o professor como “causador” da aprendizagem do estudante, como se fosse capaz de, de fora, inculcar conteúdo diretamente na cachola de outrem.

Professor é “mediador”; não pode aprender pelo aluno, nem pensar por ele, nem substituir sua autoria. Pode colaborar incisivamente, sendo esta participação crucial para o bom êxito do aluno, voltada, porém, para sustentar a autonomia/autoria discente.”

Amanhã, continuarei a transcrição do texto do Mestre Pedro, que nos permitiu enfrentar a burocracia sempre com compaixão e gentileza.

 

Por: José Pacheco

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