Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCLXI)

Butantã, 1 de março de 2043

No primeiro dia de março de há mais de cem anos, nascia o ser humano mais perfeito que conheci. A primeira criança matriculada na Escola do Projeto Âncora nasceu no primeiro dia de março. E, no primeiro de março de 2011, faleceu o amigo Walter, criador da ONG Projeto Âncora. No seu leito de morte, pediu-me para “fazer uma escola”. 

Não seria eu quem a faria, seria obra de uma equipe. Eu precisaria de ir a Cotia, para conhecer pessoas, suas necessidades e potencialidades. Depois, reunir um coletivo e conceber um projeto.

Perguntei-lhe por que queria fazer uma escola.

“Professor, quero que faça uma escola, para salvar vidas de jovens. Aqui fazemos contraturno, damos-lhes desporto, formação circense, frequentam várias oficinas. Mas, no dia seguinte, quando voltam da escola, chegam piores do que no dia anterior. Professor Pacheco, creia que é como tentar enxugar gelo!”

Nesse mesmo ano, com a Cláudia, parti de Minas para Cotia. Com a Edilene, elaboramos um projeto de escola sem sala de aula. Três anos decorridos, esse projeto foi considerado referência mundial de boa qualidade em educação. Foi apresentado na Europa, na Índia, no mundo, a par de projetos da Finlândia e de Singapura (primeiro lugar do PISA). E se mostrou o melhor dos projetos. 

Por ter ousado ir muito além das finlândias da moda, o Projeto Âncora acabou vítima da burocracia e da corrupção. No seu lugar, foi colocada uma caricatura de projeto, que traiu a vontade do amigo Walter. Mas o seu sonho ressurgiu na Escola Aberta.

Conto por centenas os projetos destruídos, sem que tivessem sido avaliados e antes de eu ter tomado novo rumo na faina de ajudar a mudar e a inovar, antes de praticar “desobediência civil”, acatando a sábia recomendação do Mestre Pedro: 

“Iniciativa primeira é abandonar o sistema atual de ensino.”

Escutemos o Mestre:

“Avaliações se fazem para diagnosticar e prevenir. Em nosso caso, os dados assustam, porque são terríveis. Mais terrível ainda é persistir nesta rota, à revelia de qualquer diagnóstico minimamente honesto. Importa, não repisar a miséria, mas tentar sair dela. 

Imagino que iniciativa primeira é abandonar o sistema atual de ensino; não presta, nem é sanável. É um equívoco, patrimônio de um país à deriva em educação, encalacrado em sua própria reprodução.

Para além do cinismo dos nossos dirigentes, sugere o mascaramento dos problemas, como se discurso festeiro viesse ao caso. Impressiona o quanto no país a pedagogia instrucionista é arraigada, nas esquerdas e na direita, formando um consenso aterrorizante. 

Existe também o temor do novo: que seria uma escola sem aula? Mas temos referências já: veja-se o Projeto Âncora; é comunidade de aprendizagem e ciência, bem integrado na comunidade e pais, com muita participação discente, sem sala de aula, sem aula, com professores totalmente dedicados à aprendizagem dos alunos.”

O Mestre Pedro tinha andado por lá. E vira aquilo que uma administração educacional afetada por uma cegueira moral e ética não via, ou não queria ver.

“Quando se fala de inovação, é típico achar inovação em qualquer soluço, até mesmo numa videoaula. Ignora-se que inovação tem norte: é aprendizagem para todos. Se isto não ocorre, a rota é falsa. 

Badalamos gestão democrática, em grande parte com muita razão, porque é ícone fundamental da escola pública. Mas encobrimos que, dada a miséria atual, gestão democrática, mais que referir-se à eleição de diretor, formulação coletiva do PP-P etc., precisa acertar o direito de aprender dos estudantes. Se estes não aprendem, a rigor não há nada para gerir.” 

 

Por: José Pacheco

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