Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCLXIII)

Uberaba, 3 de março de 2043

No início do século, entre a minha casa de Portugal e a Fundação Síndrome de Down de Campinas, a minha relação com o amigo Rubem se foi fortalecendo. E eu fui aprendendo e apreendendo o “Povo Brasileiro” do Darcy. 

Não sei se já vos disse que foi por ver o Rubem emocionado, de lágrimas nos olhos, que dele me aproximei, naquele dia mágico da sua presença na Escola da Ponte. Quando vejo um homem chorando de emoção, ele alcança o topo do meu ranking de humanidade.

A Europa quase desconhecia a obra do Rubem. Na tentativa de o dar a conhecer aos portugueses, o Ademar providenciou a publicação de alguns dos seus livros. Um deles – “A Alegria de Ensinar” – foi dado à estampa na editora do amigo Matias, a mesma que publicou as minhas “Cartas para Alice”. Aqui vos deixo um pouco desse livro, com a recomendação de que o leiais.

“Pensar é voar sobre o que não se sabe. Quando eu era menino, na escola, as professoras me ensinaram que o Brasil estava destinado a um futuro grandioso porque as suas terras estavam cheias de riquezas: ferro, ouro, diamantes, florestas e coisas semelhantes. 

Ensinaram errado. O que me disseram equivale a predizer que um homem será um grande pintor por ser dono de uma loja de tintas. Mas o que faz um quadro não é a tinta: são as ideias que moram na cabeça do pintor. São as ideias dançantes na cabeça que fazem as tintas dançar sobre a tela.

Por isso, sendo um país tão rico, somos um povo tão pobre. Somos pobres em ideias. Não sabemos pensar. Nisto nos parecemos com os dinossauros, que tinham excesso de massa muscular e cérebros de galinha. 

Hoje, nas relações de troca entre os países, o bem mais caro, o bem mais cuidadosamente guardado, o bem que não se vende, são as ideias. É com as ideias que o mundo é feito. Prova disso são os tigres asiáticos, Japão, Coréia, Formosa que, pobres de recursos naturais, se enriqueceram por ter se especializado na arte de pensar.

Minha filha me fez uma pergunta: “O que é pensar?” Disse-me que ‘esta era uma pergunta que o professor de filosofia havia proposto à classe. Pelo que lhe dou os parabéns. Primeiro por ter ido diretamente à questão essencial. Segundo, por ter tido a sabedoria de fazer a pergunta, sem dar a resposta. Porque, se tivesse dado a resposta, teria com ela cortado as asas do pensamento. 

O pensamento é como a águia que só alça voo nos espaços vazios do desconhecido. Pensar é voar sobre o que não se sabe. Não existe nada mais fatal para o pensamento que o ensino das respostas certas. Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido.

Memória: um saber que o passado sedimentou. Indispensável para se repetir as receitas que os mortos nos legaram. E elas são boas. Tão boas que elas nos fazem esquecer que é preciso voar. Permitem que andemos pelas trilhas batidas. Mas nada têm a dizer sobre mares desconhecidos.

Muitas pessoas, de tanto repetir as receitas, metamorfosearam-se de águias em tartarugas. E não são poucas as tartarugas que possuem diplomas universitários.

Aqui se encontra o perigo das escolas: de tanto ensinar o que o passado legou, fazem os alunos se esquecer de que o seu destino não é o passado cristalizado em saber, mas um futuro que se abre como vazio, um não-saber que somente pode ser explorado com as asas do pensamento. Compreende-se então que Barthes tenha dito que, seguindo-se ao tempo em que se ensina o que se sabe, deve chegar o tempo quando se ensina o que não se sabe.”

Com o amigo Rubem, construí a “escola das perguntas”. 

 

Por: José Pacheco

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