Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCLXVIII)

Maricá, 8 de março de 2043 

Neste dia de há vinte anos, era comemorado mais um “Dia Internacional da Mulher”. E o que havia para comemorar? Pequenas conquistas, ou o aumento do feminicídio? 

No fundo baú das velharias, achei notícias publicadas nos jornais desse dia:

“Mulheres negras voltam a alisar cabelos após críticas e relatam pressão sobre a própria imagem”. 

“Ações trabalhistas que citam assédio sexual crescem 200% desde 2018”.

“Cúpula da República teve uma mulher para cada dezesseis homens após redemocratização e segue masculina”.

Evidentemente, esse tipo de efeméride era criada na tentativa de chamar a atenção da sociedade para desigualdades gritantes. Mas o evidente… mente.

Os alunos da Ponte foram os primeiros a receber o galardão da Bandeira Azul da Europa, pelo seu papel na defesa do Meio Ambiente. E, todos os anos, participavam nas comemorações do “Dia Mundial do Meio Ambiente”.

O Programa Bandeira Azul teve início, à escala europeia, em 1987, integrada no programa do Ano Europeu do Ambiente. Com o apoio da Comissão Europeia, tinha como objetivo, elevar o grau de consciencialização dos cidadãos em geral, e dos decisores em particular, para a necessidade de se proteger o ambiente.

A data de 5 de junho – “Dia Mundial do Ambiente – fora escolhida por ocasião da Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, que discutiu a questão do impacto humano sobre o meio ambiente, num encontro patrocinado pela Organização das Nações Unidas, com a finalidade de aumentar a visibilidade e as discussões sobre a causa ambiental.

Quatro anos depois, as nossas crianças envolviam-se em projetos de erradicação de lixeiras, de recolha seletiva de lixo, de despoluição de um rio. Num tempo em que, raramente, se ouvia falar de tais assuntos, na capa de um dos jornais da escola, com data de 1977, surgia a pergunta: “O que é a poluição?”

As crianças propunham medidas de regeneração das águas do Rio Vizela, antes que houvesse ministério do ambiente. 

Recebemos a visita da Comissão Nacional do Ambiente. Os técnicos conversaram com as crianças, num encontro memorável. E a televisão fez dois documentários, exemplos de cidadania ativa.  

Mas, o rio continuava poluído e as ruas, cheias de lixo. E o assunto era recorrente nas agendas das reuniões da Assembleia da Escola.

Anualmente, a câmara municipal organizava um desfile de alunos das escolas portando cartazes com frases e figuras alusivas à defesa do Ambiente. Os alunos da Ponte participaram no desfile, até ao dia em que se aperceberam que estavam a ser utilizados e que nada mudava. Usando de senso crítico, as crianças decidiram não aderir à comemoração do “Dia Mundial do Ambiente”. Escreveram em ata: 

“Para nós, todos os dias são dias do ambiente”. 

Nos idos de vinte, era grande o meu cansaço perante a sucessão de notícias que davam conta do descalabro da educação e dos trágicos efeitos de uma escola sem sentido. O meu cansaço advinha de ter de escrever para denunciar, quando desejaria mais anunciar. 

José Saramago, que exerceu o ofício de escritor com a consciência de um cidadão e a visão ampla de um verdadeiro intelectual, deste modo apontava as raízes do drama escolar e social:

“Na falsa democracia mundial, o cidadão está à deriva, sem a oportunidade de intervir politicamente e mudar o mundo. Atualmente, somos seres impotentes diante de instituições democráticas das quais não conseguimos nem chegar perto”. 

A escola democrática do Darcy, a escola berço de cidadania do Anísio demorava a chegar. Havia quem impedisse. Amanhã, vos falarei de inovadores, de conservadores e de… impostores.

 

Por: José Pacheco

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