Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCVII)

Itacaré, 17 de abril de 2043

Durante meia dúzia de anos, atravessei o Rio de Contas na balsa de Itacaré, em direção a Piracanga, para ajudar a minha amiga Angelina a transformar areia inóspita num lugar de bem viver. 

Depois, optei por viajar de Ilhéus para Maraú por estrada. Quase a chegar a Serra Grande, fazíamos “escala obrigatória” numa loja que servia deliciosas empadas. Subindo para a estrada de Uruçuca, parávamos no mirante, para saborear a paisagem e prepararmos o corpo para os buracos na estrada, mais adiante, até chegar a Cassange e ao Projeto MarAmar da minha amiga Isney. 

E lá estou eu a enaltecer o mérito feminino…

Para não dizerdes que sou maniqueísta, ou tendencioso, farei um contraponto, falar-vos-ei de um homem que desenvolvera o seu lado feminino ao ponto de mostrar extrema sensibilidade perante violências impostas à infância.

O Mestre Agostinho deixou sementes de mudança na Bahia, na Paraíba, em Santa Catarina, na Brasília do Darcy, nunca perdendo de vista que, mais importante do que educar, é evitar que os seres humanos se deseduquem: 

“Cada pessoa que nasce deve ser orientada para não desanimar com o mundo que encontra à volta.”

Agostinho acreditava sermos capazes de reencontrar o que em nós é extraordinário e que poderemos transformar o mundo. Mas, em vão pugnou por transformar o mundo, por encontrar tratamento dos males da educação, pois foi obrigado a partir para o seu país natal, Portugal, quando a pátria mãe andava distraída em tenebrosas transações.

Quiseste trocar o lema “ordem e progresso” por “liberdade e desenvolvimento”, mas foi forçado a abandonar um projeto de universidade proposto por Darcy.

Etimologicamente, educar significa “levar de um lugar para outro”. E a palavra crise – do grego “Krisis” – designa o momento crítico, no qual o médico, após fazer o diagnóstico da maleita, deve tomar uma decisão: qual deverá ser o tratamento?

Nos idos de vinte, cinquenta anos após a sua despedida do Brasil, a educação da segunda pátria de Agostinho continuava à deriva, perdida entre modismos e reformismos, pois quem a poderia transformar não tinha poder e quem detinha o poder não a transformava. 

Agostinho sofreu as consequências da sua coerente desobediência, como atestava o seu credo pedagógico: 

“A vida certa do mundo inteiro seria que cada um pudesse viver a sua vida e cada um dos outros pudesse ter esse espetáculo extraordinário de ver pessoas diferentes à sua volta e não, como tantas vezes acontece, sobretudo em pessoas que gostam de mandar nos países, achar que deve ser tudo igual, e quando aparece alguém diferente se ofendem, acham que está fugindo das regras, saindo da vida que deve ter.” 

Mestre Agostinho sabia que escolas eram comunidades feitas de pessoas. E ensaiou a formação de uma comunidade de aprendizagem, em Itatiaia. E sabia que o desenvolvimento dessas comunidades dependia da diversidade de experiências das pessoas que as integravam, bem como requeria que todos os membros que a constituíam se envolvessem num esforço de participação, de produção conjunta de conhecimento, vizinho a vizinho, numa fraternidade aprendente.

À medida que ias traduzindo para a língua brasileira a obra de Montessori, compreendia que a criação de uma comunidade de aprendizagem pressupõe a reconfiguração das práticas escolares, uma indispensável ruptura paradigmática. Viveu na medida daquilo em que acreditava. E, de vários modos, ousou rupturas, gestos poéticos de quem aprendeu a arte de colocar o sonho em ato, porque, como dizia:

“Poeta é aquele que cria na vida alguma coisa que na vida não existia.” 

 

Por: José Pacheco

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