Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCXII)

Guimarães 22 de abril de 2043

E lá fui até ao “Berço da Pátria”, a convite do amigo Paulo, para escutar educadores e deixar um convite. Já sabeis do que se tratava. Apesar dos pesares, eu continuava a acreditar nos professores. E, também, estava crente de que alguns acabariam por tomar a, já então, famosa “decisão ética”.

Apesar de ter perdido o monopólio do saber e apenas manter o monopólio da creditação, a universidade era referência matricial das escolas. E, como o modo como o professor aprendia era o modo como o professor ensinava, as práticas do ensino “superior” era o modelo sacramentado, inquestionado e plasmado nas práticas desenvolvidas no (pressuposto) ensino “inferior”.

Era prejudicial o exemplo que acadêmicos ociosos davam às escolas, exemplo da incoerência entre a teoria que colocavam nas teses e a prática efetiva. Quando observava práticas “híbridas”, contraditórias, eu temia pelas consequências. Como explicar que um teórico “socioconstrutivista” continuasse a exercer o seu múnus profissional em sala de aula? Seria possível ensinar “métodos ativos” num contexto de passividade?

Atrevo-me a contar-vos um episódio, entre muitos, que ilustra o que acabo de dizer. 

Após uma palestra, fui interpelado pelo palestrante seguinte: 

Vou fazer a próxima palestra e estou sem saber o que fazer. Acabaste de dizer que a sala de aula é inútil e prejudicial. E a palestra que preparei é sobre planejamento de aula.” 

Manifestei-lhe a minha perplexidade: 

“Tu és professor universitário. Sabes que a docência, que o trabalho em sala de aula é inútil e prejudicial. Por que não o dizes?”

“Tens razão.” – concluiu, pesaroso – “Mas eu não poderei dizer isso aos professores… Tu sabes que eu dou aula na minha faculdade.”

A educação permanecia cativa de atavismos. As contribuições do Paulo, do Lauro e de outros insignes pedagogos tinham sido trocadas por teorias importadas do hemisfério norte. Nas universidades, abundavam os freirianos não-praticantes. E o demissionário silêncio daqueles que tinham sido formados em ciências da educação era insustentável, até mesmo obsceno.

As comunidades de aprendizagem eram objeto de estudo, a partir de uma matriz teórica estrangeira. Isso talvez se devesse ao desconhecimento da presença desse conceito nas obras de autores brasileiros. As práticas de comunidade de aprendizagem eram escassas e tomavam por referência experiências realizadas na década de 1990, nos Estados Unidos e na Espanha. Os acadêmicos que as implementavam ignoravam que, ainda que sob outras designações, já na década de quarenta (no Brasil) e na de setenta (em Portugal), tinham sido desenvolvidas práticas com as caraterísticas de comunidade de aprendizagem. 

Essa seria a introdução de formas possíveis de novas construções sociais, para que a velha escola pudesse, para além de denunciada, implodir. Porém, as escolas onde os acadêmicos introduziam projetos com essa designação mantinham-se ancoradas na… docência.  

Nos idos de vinte, eram publicadas teses sobre o paradigma da comunicação, sem que a transição da instrução para a aprendizagem tivesse acontecido. Falava-se de autonomia, de protagonismo juvenil, afirmava-se a necessidade de transformar o aluno em sujeito de aprendizagem, enquanto se mantinha hegemônico o modelo instrucionista, centrado no professor. Eram desenhados novos mapas sobre velhos palimpsestos. E, quando se justificava uma ajuda a professores com uma nova visão de mundo e que pretendiam melhorar a escola, o desgoverno contratava mais polícias e construía mais prisões.

 

Por: José Pacheco

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