Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCXXIX)

Lisboa, 9 de maio de 2043 

Hoje, a bisavó Fátima completa oitenta e sete primaveras. Continua jovem e apaixonada pelas coisas da educação. Não vos esqueçais de lhe dar uns beijinhos de parabéns!

Por estes dias de maio, mas os da viagem a Portugal do maio de vinte e três, encontrei uma nova geração de educadores dispostos a reaprender a aprender e disponíveis para agir. Nesse tempo, era exponencial o crescimento dos chamados “centros de explicações” e “centros de estudo”. Também aumentava o número de greves, o “bournout”, o suicídio juvenil e o “ensino doméstico”. Até se permitia o ensino individual e havia empresas estrangeiras a ensinar, à distância, alunos portugueses.

As famílias dissidentes e que possuíam elevado poder de compra protegiam os seus filhos, pagando aquilo que a Constituição dizia ser direito de todos e, por essa razão, logicamente gratuito. A escola (dita) pública, criada para garantir equidade, reproduzia um modelo escolar (e de sociedade) excludente.

Surgiriam saudáveis reações à insustentável situação, que confirmaram o teor da epígrafe, que junto a esta cartinha. A amiga Magda havia dito que o diretor Luís era pessoa sensível à necessidade de transformar a construção social prussiana numa nova construção social. Pude confirmar que se tratava de um educador de raiz e de um ditoso diretor, pois havia no quadro da escola professores a quem se podia chamar professor. Gente inquieta, curiosa e que, apesar dos pesares, se disponibilizava para se reelaborar culturalmente. 

Naquela manhã de maio, feito o convite à mudança, foram muitas as perguntas dos professores: “Como se poderá concretizar essa utopia? Como se tornará permanente e sustentável? Qual a formação necessária? Será feita alguma sensibilização?”

Disse-lhes que não pretendia sensibilizar, ou convencer. Que acreditava terem tomado uma decisão ética e que, a partir daquele momento, eu era mais um elemento de uma equipe de projeto.

Comedido, cuidadoso, pois era experimentado nas andanças da direção, o Luís me ajudou a identificar zonas de autonomia relativa. Concebeu um plano de caraterísticas intermédias entre aquilo que a burocracia ministerial permitia e o que seria do domínio da utopia. E, enquanto o prudente Luís ia contornando burocráticas armadilhas, para criar círculos de aprendizagem na sua escola, eu tinha os meus estrábicos olhos pousados no Bairro do Loureiro e no antigo Cinema Europa. 

Nos anos que se seguiram ao encontro de Lisboa, a “Manuel da Maia” foi uma das cinco escolas de referência, que impulsionaram o aparecimento de novos e inovadores projetos. A saga pedagógica lusa acompanhou a evolução de projetos da outra margem do Atlântico, contrapondo ao “home schooling” anglo saxônico o “community schooling” latino. 

A educação passou a ser, efetivamente, da responsabilidade da tríade escola-família-sociedade. A Escola, o Poder Público e a Universidade convergiram num projeto de humanização. Os projetos das escolas se articularam com áreas como a Saúde Púbica e Ambiente e a Arte e Cultura. 

No maio de há vinte anos, foi dado o primeiro passo para a criação de protótipos de comunidade, a partir de uma organização social em círculos. Estes poderiam tomar a forma de círculo de aprendizagem de proximidade, a forma de “turma-piloto”; ou de círculo de vizinhança, iniciativa de famílias, contando com a adesão de professores e escolas. Prova provada de que ainda havia professores dispostos a tomar uma decisão ética, de boa gente que projetava “versão sua no futuro” e não desistia, quando encontrava “coisa difícil”.

 

Por: José Pacheco

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