Jardim da Estrela, 16 de maio de 2043
Era uma vez… um empresário de nome Walter, austríaco de nascimento, brasileiro por adoção, que queria “salvar vidas de jovens”. Dizia ele que sala de aula os matava, e que fazer contraturno de escola era como tentar “enxugar gelo”.
Pediu-me para “fazer uma escola semelhante à Escola da Ponte”. Com a Edilene, a Claudia e uma extraordinária equipe de educadores, ajudei uma comunidade a libertar-se do assistencialismo e a fundar a Escola do Projeto Âncora.
Durante alguns anos, o Âncora acolheu muitos educadores em busca de aperfeiçoamento das suas práticas. Porque, se em teoria, tudo é fácil, na prática nem sempre o é. Nada melhor do que realizar uma imersão num projeto que a todos garantia o direito à educação.
Muitos foram os professores que residiram numa casinha dentro da Escola Âncora e ali colheram ensinamento, convivendo com alunos e professores, Nos fins de tarde, os professores eram recebidos pela Edilene e pela Claudia, que esclareciam dúvidas e os ajudavam a planejar o dia seguinte. Dessas “imersões”, os formandos levavam para as suas escolas ensinamentos, que lhes permitiram melhorar-se.
O Projeto Âncora foi considerado por curadorias internacionais como uma das melhores escolas do século XXI e, efetivamente, conseguiu salvar muitas vidas.
Muitas mais salvaria, não fora o seu triste fim. Com o fecho do Âncora, a equipe de projeto foi acolhida pelo amigo Arturo, que patrocinou a criação da Escola Aberta de São Paulo, uma ilha de boa qualidade educacional num “país do futuro” que se submetia a uma modernização tardia, numa sociedade da informação caraterizada pela solidão e pelo individualismo.
As escolas enfeitavam-se de novas tecnologias, sem que fosse afetado o obsoleto modelo de ensinagem, As propostas pedagógicas elaboradas no decurso do século XX e recicladas no início deste século jamais foram vertidas em práticas efetivas. De pouca serventia servia a preocupação com a exclusão social e a crença nas virtudes da psicologização da educação.
Requintadas propostas pedagógicas continuavam no limbo das teses e legitimavam práticas incoerentes. Os jovens educados nas velhas práticas, ainda que cognominadas de novos rótulos, atormentavam os nossos ouvidos com elevados decibéis de sertanojo, vegetavam entre o bar e a boca de fumo, entre o funk carioca e imbecilidades afins.
Era-lhes alheia a catástrofe anunciada pelo aumento de quatro graus na temperatura da Terra… E não era somente a velha escola que continuava em crise, era a vida que estava por um fio, com a emergência da chamada “cultura do ódio”. Professores e crianças eram assassinados a sangue frio. E não havia quem acertasse com a origem do mal.
Por essa altura, professores brasileiros ainda rumavam a Portugal, para visitar a Escola da Ponte, desconhecendo que já havia “pontes” para uma nova educação no Brasil. Senti-me no dever de divulgar o excelente projeto da Escola Aberta. e aconselhar que lhe fizessem mais do que uma visita, que nela fizessem uma “imersão” formativa.
Em Mogi das Cruzes, em Maricá, e Caçapava do Sul e em outros lugares onde havia professores éticos, o exemplo frutificou e profundas mudanças foram operadas. Já não seria necessário atravessar o Atlântico, para conhecer o que de melhor por lá se fazia.
Chegara o tempo de os professores brasileiros deixarem de viajar para a Catalunha e passarem a ir a São Paulo. Era chegado o tempo de os educadores portugueses deixarem de perder tempo e de gastar dinheiro indo à Finlândia, tempo de atravessar o mar, para conhecer a Escola Aberta de São Paulo.
Por: José Pacheco
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