Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCXXXVII)

Marinha Grande, 17 de maio de 2043

E quando voltava de andanças várias, cansado, feliz por ver que ainda havia professores dispostos a recomeçar, a Margarida e a Eduarda juntavam-se à Andreia no saber cuidar, no desvelo com que terminava e começava um novo dia da viagem a Portugal dos idos de vinte e três.

Dediquei particular atenção a dinâmicas sociais e educacionais, que ocorriam na região de Leiria. A minha amiga Andreia havia conseguido organizar um périplo de uma semana pela região. Alguns dedicados diretores articulavam a gestão dos seus agrupamentos com as famílias dos alunos e com o cuidadoso trabalho desenvolvido por uma dedicada vereadora da educação.  

Entre a Batalha, a Marinha Grande, Fátima e Leiria refletimos, como diria a Andreia, “sobre uma escola diferente”. Falamos de “novas construções sociais de aprendizagem e educação”, “aprender em comunidade”, de transformar a educação e reconfigurar a escola”, com associações de pais e comunidades. 

Na Academia Criativa 81, na Batalha, famílias expressaram preocupações e assumiram compromissos. No Teatro Stephens, na Marinha Grande, nos reunimos para criar consensos, estabelecer pactos. 

No final do encontro, a Ana mostrou-me recados dos seus alunos. Antes que a maioria os adultos pudessem antever benefícios, já as crianças os intuíam. Falavam de um visitante de breves momentos como se o conhecem há séculos. A vida e o exemplo de um educador é eterna, e as crianças facilmente se apercebiam disso. Eram crianças ditosas e, talvez por sentir a impossibilidade de abarcar no mesmo amor todos os seres carentes de proteção e compreensão, emocionada, a Ana pediu desculpa por lágrimas derramadas.

A criança grande da Ana sabia que o amor que dedicava aos seus alunos deveria ser contextualizado em estruturas relacionais que capacitavam os seres humanos a definir-se pela contribuição à aprendizagem dos outros. A aprendizagem deveria ser encarada como atividade social, requeria o desenvolvimento de uma comunidade, como diria o Illich.

Diz-nos o dicionário que comunidade é estado do que é comum, paridade, comunhão. Sociologicamente, é um agregado de pessoas, que se caracteriza por acentuada coesão baseada no consenso espontâneo dos indivíduos que o constituem. Etimologicamente, tem origem no latim “communĭtas”, qualidade daquilo que é comum. 

Uma comunidade é feita de seres humanos, que partilham algo comum: idioma, costumes, localização geográfica, visão de mundo, valores… Poderá ser um grupo de pessoas, que residam em uma área geográfica determinada, que compartilhem uma cultura ou modo de vida, conscientes do fato de que compartilham e que podem atuar em busca de um objetivo comum. 

A sua coesão poderá ser reforçada, se assentar em laços familiares, compartilhar antecedentes, ou participar de uma mesma tradição histórica.

Poderíamos, pois, concluir que escolas de professores solitários em sala de aula não eram comunidades, eram instituições, tal como um hospital ou uma igreja.

A modernidade nos havia confirmado numa ética individualista. Na gênese da escola da modernidade, o individualismo prevalecera sobre o gregarismo, pelo que profissão de professor se caracterizava pela solidão. 

Nas escolas herdeiras da revolução industrial, quase não existia uma história compartilhada, ou objetivos comuns. Não se contemplava a aprendizagem do mundo e da vida.

Netos queridos, esta carta talvez seja aberta, acredito que alguns professores a possam ler. Aproveito o ensejo para dizer aquilo que já sabeis, mas que, porventura, outros precisem saber. 

 

Por: José Pacheco

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