Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCLXVIII)

Cantanhede, 17 de junho de 2043

Diferentes foram os destinos daqueles que procuravam resguardar os seus filhos dos malefícios de um velho sistema de ensinagem. A Tânia e o Nuno cuidaram de criar um começo de comunidade adequado à educação da Violeta e do Vicente. Mas, o mesmo a Sandra não conseguiu. Os seus filhos fizeram-na mudar de cidade, em busca de uma escola que deles devidamente cuidasse. Perdida a fé nas escolas ditas “públicas”, optou pela matrícula num colégio privado. 

Nada decorreu como esperava, pois a filha integrava o rol de crianças com dislexia.

“Senti-me muito perdida.” 

Socorreu-se de terapeutas, psicólogos e de “explicações”, até colocar os filhos em “ensino doméstico”. E acabou coproprietária de um… “Centro de Explicações”. 

Em 2018, Paulo chegou do Brasil, em busca de inovação e comunidade. Queria   conhecer a Escola da Ponte e, pelo caminho, descobriu a Comunidade Educativa das Cerejeiras, no concelho de Penela. Aí assentou arraiais. 

Outros havia que visitavam a Ponte, participavam de imersões formativas na Escola Aberta mas, depois, voltavam ao rame-rame. E havia aqueles que, ao primeiro sinal de perigo, se encolhiam, para não perder o emprego. 

Partíamos com a parte saudável do sistema. Encontrávamos diretores éticos e com eles organizávamos turmas-piloto e círculos de aprendizagem. Quando deparávamos com pequenos tiranetes, que tentavam proibir mudança, perguntávamos-lhes por que a dificultavam – que impedimentos haveria? 

“A lei não permite.” 

“Qual lei?” – perguntávamos. Não respondiam. E logo surgia a imposição.

“Não concordo com esse método. Não autorizo!”

Explicávamos-lhes que não se tratava de um “método”. Mas as múmias pedagógicas diziam não entender, recusavam explicações. Se insistíamos, essas lideranças tóxicas intentavam a fagocitose dos proponentes, ou remetiam a proposta para os “conselhos pedagógicos”, sabendo que a maioria desses órgãos nada tinham de pedagógico e eram contrários a qualquer tipo de mudança.

“Se pensarmos bem, a maioria dos meninos que “desiste” da escola é porque não se sentiu lá bem, não sentiu pertença. Depois instala-se o desinteresse, a revolta, e é claro que não pode funcionar” – comentava a minha amiga Andreia – “O que sentimos é que as famílias estão muito receptivas. Toda a gente se diz sozinha e depois o mais fácil é apontar o dedo. O que temos que fazer é uma aliança entre todos, tendo em conta que é preciso respeitarmo-nos uns aos outros, deixar que os professores, diretores de turma e de agrupamento despertem para a necessidade de mudarmos uma escola que funciona como no tempo da revolução industrial do século XIX”

De ano para ano, sempre que eu viajava para Portugal, via surgir mais “centros de explicações”, via o homeschooling ganhar mais adeptos, os professores mais adoecidos, mais famílias descontentes, jovens intelectual e emocionalmente mais abandonados. A Escola da Modernidade contava mais de duzentos anos de semear ignorância, analfabetismo, múltiplas violências e escassas aprendizagens. A mercantilização da Escola Pública progredia.

Quando estava prestes a regressar a terras brasileiras, vivíamos um momento propício à mudança de rumo, nunca tivéramos tão boas condições para realizar transformações. Um trio magnífico – uma Cristina, uma Caetana e outra Cristina – preparava um encontro em Montemor e no Freixo do Meio. 

Eu voltaria à “Casa da Professora”, gentilmente cedida pelo amigo Alfredo. E, no dia 29 de junho, foi dado o primeiro passo de um longo processo de mudança, que se estendeu pelas décadas de vinte e de trinta.

 

Por: José Pacheco

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