Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCLXXII)

Montemor-o-Novo, 21 de junho de 2043

Prestes a viver o dia mais longo do ano no Freixo do Meio, fui almoçar com o amigo Alfredo e aprender com a Glorinha, que só havia conhecido ainda no ventre da sua mãe. 

Conversamos sobre o incontornável Agostinho. Pedi-lhe um livro emprestado, um saboroso livro (“Vida Conversável”), sobre o qual penso falar-vos em próxima cartinha. Inevitavelmente, discorremos sobre o futuro de Foros e do Freixo, do futuro presente das nossas crianças, das dificuldades encontradas e das possibilidades de projetar.

A crise da Escola prolongava-se sem fim à vista. Passara mais de um século sobre o primeiro sinal de alerta, dado no início do século XX pelos escolanovistas. Eurípedes, Anísio, Nise, Nilde, Agostinho, Irene, Freire e outros egrégios educadores reinterpretaram o movimento escolanovista, mas somente na década de sessenta ele tomou forma concreta. 

Paulo Freire assim se dirigia ao seu bom amigo Malaguzzi:

“O menino eterno pede-me, antes de eu retornar ao Brasil, que escreva algumas palavras dedicadas às meninas e aos meninos italianos. 

Não sei se saberia dizer algo novo a tal pedido. O que poderia dizer ainda aos meninos e às meninas deste final de século? Primeira coisa, aquilo que posso dizer em função de minha longa experiência neste mundo, é que devemos fazê-lo sempre mais bonito.

É baseando-me em minha experiência que torno a dizer: não deixemos morrer a voz dos meninos e das meninas que estão crescendo.” 

Dez anos depois de Reggio, a Ponte colocou o aluno no centro do processo de aprendizagem. e no mesmo ano (1976), Georges Bastin publicava o seu livro “A hecatombe escolar”. O prefácio assim rezava: 

“Este livro destina-se a pais ansiosos com as dificuldades que os seus filhos sentem, aos educadores que procuram uma explicação para a mediocridade dos seus alunos e para as suas próprias desilusões e a todos aqueles que se inquietam com as hecatombes escolares e que se interrogam acerca do futuro da juventude e da rentabilidade do sistema escolar. O autor analisa os diferentes fatores de sucesso e insucesso atribuíveis à organização dos estudos.

Constatando o enorme desperdício de esforços e de meios que representa para a sociedade a taxa crescente de inadaptações e de insucessos, o autor conclui pela necessidade urgente de uma tomada de consciência mais objetiva dos elementos de inadaptação, de uma colaboração mais estreita entre pais e pedagogos, de uma união dos esforços de todos os especialistas (médicos, psicólogos, sociólogos) em ordem a uma visão pluralista dos casos reputados difíceis.”

Entretanto, Mounier dissertara sobre a personalização do ensino e Dottrens sobre ensino individualizado. Bordieu e Giroux denunciavam a escola reprodutora de um modelo escolar e social iníquo. 

Escolas particulares tinham assimilado na exterioridade a proposta escolanovista, mantendo o status quo enfeitado de materiais Montessori, com hortinhas, aulas de meditação e arremedos digitais. E a rede pública nem isso assumia fazer. Os professores permaneciam distraídos, na solidão das salas de aula, reproduzindo um modelo de ensinagem hierárquico, autoritário, excludente, amoral e intelectualmente corrupto. Sob o manto diáfano de um agressivo marketing, recorrendo à mistificação, a administração tentava disfarçar a sua incapacidade de recriar a escola. 

A hecatombe educacional era um desastre “naturalizado”, não era um desastre natural, era um fenômeno produzido pela ação de seres humanos. E eram seres humanos que, no Alto Alentejo, abriam um “Caminho do Futuro”… no presente.

Por: José Pacheco

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