Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCLXXXII)

Vale de Ansa, no primeiro dia de julho de 2043

O autor do livro “Why Don’t Students Like School?” afirmava:

“Aprendemos mais sobre o cérebro humano nos últimos vinte e cinco anos do que nos dois mil e quinhentos anteriores.”

Isso significa que, nos idos de vinte, deveríamos dispor de conhecimento suficiente para melhor ensinar e aprender. Na verdade, tínhamo-lo, mas não o praticávamos. Se o conservantismo tardio tentava “tornar as aulas mais cativantes”, o alternativo roussoneano acreditava que bastaria deixar a criança descobrir as coisas por si mesma. 

O obsoleto condutismo e o ingénuo não-diretivismo ignoravam que a criança não fazia aquilo queria, mas que queria aquilo que fazia.

Nos anos setenta, resolvi fazer uma experiência não-diretiva radical. Fiquei fora da sala de aula, enquanto os meus alunos, dentro dela, aprendiam do modo que eu considerava ser “autónomo”. Na década seguinte, repetiria a experiência, para nunca mais a fazer. Um sem-fim de dispositivos “substituía” o professor. Nada de autónomo ali havia. Compreendemos que o exercício da autonomia não era aprendizagem individual, era uma prática relacional. Compreendemos que a aprendizagem acontece na relação, no estabelecimento de vínculos.

No dizer de Freire, “o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica”. E a Cláudia reencontra Freire, quando escreve na sua tese de doutoramento: 

“Nuno é como as demais crianças da Ponte, que desde cedo são encorajadas a inaugurarem o diálogo, apreendendo a importância de compreender “o que fazem e por que fazem (…) não há relação, quando o professor tem que interagir com mais de uma dúzia de alunos. Inegavelmente, com escolas e salas superlotadas abrem-se os caminhos para a exclusão.”

Nos dicionários diz-se que respeito é “sentimento que leva alguém a tratar outrem com grande atenção, profunda deferência; consideração, reverência”. Partindo dos pressupostos ilustrados por Agostinho em “Sanderson e a Escola de Oundle”, a convivencialidade marcada pela preocupação com os outros, tinha em si impressa a marca do amor: 

“Não há para o espírito do homem, ou no espírito do homem, nada que não seja relação. O que acontece é que chamamos desordem à ordem que nos não agrada, ao conjunto de relações em que não entendemos ou não aceitamos a relação connosco.”

Para melhor entenderdes, a raíz dos equívocos e fundamentalismos pedagógicos, nas próximas cartinhas, pretendo falar-vos da origem dos paradigmas da instrução, da aprendizagem e da comunicação. Tarde, mas ainda a tempo, cheguei à conclusão de que a aprendizagem não estava centrada no professor, nem no aluno, mas na relação. E que, ao invés de refutar propostas de qualquer dos paradigmas, dever-se-ia integrá-las. 

O instrucionismo, que correspondera a necessidades sociais do século XVIII e XIX, jamais deveria ser praticado em pleno século XXI, mas continuava hegemónico, obsoleto e sem fundamento científico. Filosoficamente, remontava ao século XVII, mas a proposta de Comenius tinha sido antecedida pela escola jesuíta. 

No “modus parisiensis”, como foi chamado, os alunos distribuídos por classes, instados a exercícios escolares constantes, sujeitos a um regime de incentivos ao trabalho escolar e “à união da piedade e dos bons costumes com as letras”. Imperava a ordem, a rapidez e a disciplina. 

Em 1509, no Colégio de Montaigu crê-se que, pela primeira, vigorou a divisão dos alunos em classes. Cada disciplina era segmentada em níveis, sete classes de Gramática organizadas numa complexidade crescente.

(continua)

 

Por: José Pacheco

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