Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCXCIII)

Pocinhos do Rio Verde, 12 de julho de 2043

Fui em romagem ao lugar onde, há 67 anos, o projeto Fazer a Ponte nasceu. Depois, passei o rio e subi a encosta de Negrelos, para visitar o novo edifício da Ponte. No hall de entrada, um pequenito de uns três ou quatro anos me pergunta:

“Quer ver a nossa escolinha? Quer que eu mostre?”

As crianças da Ponte eram cicerones dos visitantes. Tudo mostrava e explicavam às visitas. Dei um beijinho ao miúdo, agradeci e ia dizer-lhe que já conhecia a escola, quando a Dona Helena se aproximou:

“Ó, Professor, por aqui? O que o traz por aqui?”

Apercebendo-se de que a criança continuava a fitar-me com curiosos olhos, a Dona Helena perguntou:

“Sabes quem é este senhor?”

“Não sei.”

“É o Professor Zé.”

“Ah! Sei. Foi professor do meu avô.”

 A vida é uma breve aventura. Na minha provecta idade, sinto que o tempo foge, enquanto a eternidade avança, se aproxima o tempo de partir. Houve um tempo em que eu evitava perguntar por onde andariam os amigos.

“Tens visto a Margarida?”

“Morreu. Há já uns dois meses. Não sabias?”

Não sabia. Só no tempo das redes sociais as desditosas notícias chegavam quase no momento da ocorrência. O amigo Brandão falecera. Com ele estivera, antes que a leucemia o minasse. Conversamos sobre a sua visita ao Rubem, pouco tempo antes de esse amigo comum partir para a eternidade.

No reatar de mais um período de tratamento, nos enviava palavras feitas de cansaço:

“GENTE AMIGA DE PERTO E DE LONGE,

Agora que posso estar por um pouco mais de tempo sentado diante do computador, escrevo a vocês de forma mais completa.

Há pouco mais de um mês voltei do hospital (e da UTI) para casa. Estive lá cerca de dois meses, deitado em uma cama e tomando uma quimioterapia que para dar conta de minha leucemia, quase me leva também.

Estou 20 quilos mais magro, alguns meses (que parecem anos) mais velho e muito enfraquecido. Um terapeuta me ajuda a recuperar movimentos. Estou precisando reaprender quase tudo o que pensei que já sabia: andar, comer, escovar os dentes, escrever, etc.

Em casa, estou entre a cadeira de rodas e o andador. Espero voltar a caminhar com bengala logo. Uma caminhada em casa, de 20 metros me cansa mais do que quando eu (andarilho inveterado) passava dias entre trilhas. Eu, que escalei o Dedo de Deus, participei da equipe de conquista do Paredão Baden-
Powell e fiz o Caminho de Santiago. Sendo eu um frequentador de acidentes graves e de cirurgias, acho que haver chegado à esta idade é uma bênção, se não for um milagre.

Estou velho, magro e feio. Mas vivo ainda! De repente me vejo sendo cuidado. Dependo de outras pessoas para quase tudo. Aos 83 anos, me vejo como se
tivesse 3 anos. 

Depois do agito de 2021, com as inacabáveis lives ao redor do Centenário de Paulo Freire, eis que, doente, vivo dias extremamente tranquilos. E os aproveito para fazer o que sempre foi a minha quase maior alegria: ler e escrever. Leio e releio livros de autores que sempre me tocaram, entre a poesia, a espiritualidade, e a antropologia. Ouço música, desde a clássica até modas de viola. 

E escrevo desmesuradamente. Depois dos livros voltados à educação popular, abri o leque dos meus desejos e imaginários, e entre a poesia e a antropologia, me vejo, aos 83 anos, como quem “alça voos do espírito”.”

Na UNIPROSA se lamentava a perda do amigo:

“Muito triste! Dor profunda! Paulo Freire dizia que Brandão era o homem mais “humano” que ele conhecera. Que siga em paz pelos caminhos do Infinito!

Perda grande, seu legado é uma relíquia e seu testemunho de pessoa humana é inesquecível.  Sua simplicidade, atenção e autenticidade ficaram gravados em minha mente e coração.”

 

 

 

Por: José Pacheco

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