Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCVII)

Cândido Mota, 26 de julho de 2043

In Illo Tempore, era costume celebrar-se o “Dia dos Avós”. 

Estávamos no julho de vinte e três. O Arnaldo Antunes celebrava a data cantando:

“Neto e neta são netos, no masculino / Pais e mães são pais, no masculino / Filho e filha são filhos, no masculino / Avô e avó são avós.”

O avô Isaac escrevia: 

“Passar a vida sem ser avô ou avó é viver a vida sem tomar sorvete, ou sem ouvir o canto dos passarinhos”.

O avô Valdo era assim presenteado pelos netos:

“Ser avô é estar sempre comemorando, cantando, fantasiando, “engordando” e amorosando! Só alegrias e lindas histórias, para marcar as histórias da vida das Gentes!”

E eu, que não sabia poetar, que presente poderia dar à Vovó Ludi?

Poderia ajudá-la a a preparar uma escola que fizesse da sua neta um ser humano feliz, de vida plena. Como, em parte, fizera a tua, querida Alice, e a do Marcos. 

Eras perguntadeira:

“De que estórias estás a falar, avô Zé? 

Estou a falar de estórias que ficaram por contar, que desenhavam os destinos das crianças futuras, projetos (como então se dizia) de escolas de um devir luminoso. Estórias de um tempo em que as aves falavam à semelhança dos humanos seres. Mas, as pontes de entendimento iriam do mundo dos pássaros para o dos homens, ou deste para o dos pássaros? 

No tempo em que o teu avô tinha a idade que tu agora tens, um pássaro livre chamado Camus disse que as grandes ideias vêm ao mundo mansamente, como pombas. Para que nos apercebamos da sua presença, basta sermos capazes de ouvir, “no meio ao estrépito de impérios e nações, um discreto bater de asas, o suave acordar da vida e da esperança”

Um Pássaro Encantado me fez atravessar o mar e me conduziu a lugares onde o mundo retoma a forma prometida de um “novo mundo”. Foi no eco dos seus passos que encontrei um sabiá de canto suave. No país do Sabiá, foram doces as horas conversadas no afago de subtis olhares tranquilos… os de uma avó.”

Quando se alcança a provecta idade dos noventa, perde-se a noção de quão ridículo pode ser o que dizemos, ou fazemos. Por que o digo? Porque começava a suspeitar de que o “livre-arbítrio”, que eu reclamava, não passava de ilusórias tomadas de decisão, que a razão não explicava certos fenômenos.

Naquele tempo, admiti que o Shakespeare talvez tivesse razão, quando disse que “há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar.”

Deparava com algo que a razão não explicava – e diga-se, em abono da verdade, que nem tudo, também, o Freud explicaria – e me parecia estar adentrando o mistério das coisas, deparando com o que o Jung chamava “sincronicidades”. 

Dar-vos-ei um exemplo de como nada acontecia por acaso.

Fui trabalhar na Escola da Ponte no mesmo mês em que nasceu o vosso pai. Seis anos depois, a Ponte estava pronta para o receber, apta para acolher crianças e delas fazer seres humanos sábios e felizes. E tanto pó de giz o André respirou, que o vosso pai se fez um excelente professor. 

Quando, na génese da primeira comunidade de aprendizagem, eu procurava educadores que reunissem condições de assegurar a concretização do projeto, conversei com o Evaldo, cuja personalidade se enquadrava na perfeição no espírito do empreendimento. Ao cabo de um delicioso diálogo, perguntei:

“Que idade tens?”

“Quarenta e seis anos” – respondeu.

“Por acaso, é a mesma idade do meu filho André” – retorqui – “E em que mês nasceste?”

“Eu nasci em outubro”

“Curioso! Foi no mesmo mês do nascimento do meu filho. E em que dia?

“No dia 24.”

“Que extraordinária coincidência! Já agora, qual a hora em que nasceste?”

O Evaldo havia nascido no mesmo ano, mês, dia e hora do nascimento do André.

 

Por: José Pacheco

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