Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXII)

Engenho do Mato, 31 de julho de 2043

Uma professora universitária divulgava dados de pesquisa recente: “sessenta por cento dos municípios não cumpriam a lei antirracista, que  estava no papel há vinte anos”. Referia-se aos direitos dos negros, que, no dizer da pesquisadora, “não faziam parte da prática quotidiana das escolas, porque só havia dois tipos de escola”: as escolas que cumpriam as leis e as escolas que não cumpriam as leis”.

Foi, exatamente, aquilo que ela disse, num congresso a que assisti. Denunciava a discriminação, a exclusão dos negros. Esquecia a dos brancos quase negros, a dos negros quase brancos, a dos brancos, a de todas as cores. Eram raras as “escolas “arco-íris” cumpridoras da lei. 

A senhora findou o discurso dizendo ser necessária uma “virada epistemológica”. Tinha razão. Só não sabia que essa “virada” já tinha começado. E, por habitar o “sétimo céu” da teorização, por quase nada saber da prática pesquisada, se quedou pelo discurso. 

E eis que, no mesmo dia, acolho queixas de jovens almas censuradas. Do chão da escola, vinha a voz de uma resistente:

“Boa noite, professor! Vou te contar uma historinha de uma cidade “desconhecida”. A gestão da cidade está preocupada, pois estamos no ano de SARESP + SAEB + IDEB = $$$.

O paradigma da aprendizagem e o da comunicação chegou há menos de dois anos nesta cidade e, em respeito a Anísio Teixeira, o pai da escola pública, alguns professores vivos se recusaram a praticar a educação bancária e adestrar os alunos para passar em provas ineficientes, que só testam a decoreba de conteúdo depositado.

Por conta das provas externas ($$$), mais uma vez os professores vivos receberam ameaças nada veladas de encerramento dos seus projetos. Muitos municípios devem estar preocupados ($$$) com as notas que medem a decoreba das crianças. 

Aproxima-se um ano de sofrimento para os aprendizes e para os professores.”

Outras mensagens eram lenitivo para a descrença e para evitar do sofrimento:

“Que momento especial de partilha que tivemos ontem ❤️ (assim mesmo, com um coraçãozinho a acompanhar). Foi nítido ver união e respeito entre todos nós.

Segue um breve resumo de algumas reflexões, que deram lugar a nossa árvore de valores: a diversidade está presente, tanto no pessoal, quanto no cultural, respeito ao outro, seja adulto ou criança; valorizar a relação com o outro, pois temos de parar de fazer pelo outro, para fazer com o outro.”

A todos os educadores que ainda resistiam, recomendei que, para cumprir a lei, exercessem desobediência civil, pacifica e decididamente, para que não lhes acontecesse o mesmo que a outros professores que, sem o saber, profissionalmente, morriam aos vinte e eram enterrados aos sessenta. 

O poeta argentino Santiago Kovadloff avisava: 

“Morrer bem é morrer a tempo. Não há pior inferno do que assistir as exéquias do próprio desejo. Ao funeral das nossas paixões. A morte é por isso… o que nos persegue diariamente. O que nos esteriliza, o que encalece a pele. A ausência de propósito, apatia, desapego aos seres… Essa é a morte que mata e não a que vem depois. Por isso, vamos implorar que a morte nos surpreenda sedentos ainda, exercendo a alegria de criar. Que nos desligue quando ainda estamos ligados.”

Há tempos, vos disse que, sempre que alguém me pedia ajuda, eu sugeria que fosse à escola mais próxima e procurasse um professor que ainda não tivesse morrido. Pedia-lhes que estivessem atentos e atentas às cartinhas do mês de agosto e que não faltassem aos encontros de sábado. O primeiro realizar-se-ia no dia 12. a diligente Zizi divulgaria o modo de participar.

 

Por: José Pacheco

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