Icaraí, 7 de agosto de 2043
Netos queridos, nesta cartinha retomo a transcrição de parte de um relatório produzido nos idos de vinte. Espero que possais ver poesia onde a prosa, por vezes, se torna endurecimento do discurso.
Não terá sido por acaso que escolhi este “estudo de caso”. A situação naquele município era idêntica à de todos os outros municípios brasileiros e portugueses. De nada valeria insistir numa via reformista, de reinventar ou revogar “novos ensinos médios”, que já nasciam velhos.
No velho ensino médio igual ao “novo”, um jovem desabafava:
“No ano passado houve aprovação automática. A gente não aprendeu nada, mas passou. Neste ano, os professores fizeram greve e a gente é que paga. Agora, também temos aula ao sábado.”
Desde há mais de meio século, eu questionava:
“Por que há ensino médio, ou secundário?”
A esta e a outras perguntas, nenhuma resposta obtive de agentes de um sistema sem sentido. Decidimos recriar o sistema de ensinagem, gradualmente, o substituindo por um sistema de aprendizagem, para que não mais a seres humanos fosse negado o direito à educação. O “relatório” disso nos falava:
“Durante o período em que exerci funções técnicas no domínio da criação de comunidades de aprendizagem, a par do desenvolvimento de tarefas que me foram atribuídas, verifiquei que ainda prevalecia nas escolas um modelo de ensino obsoleto, causa de analfabetismo literal e funcional e de outras exclusões.
Mas, dentro dos limites impostos pelas circunstâncias, pude intervir de modo a identificar um significativo potencial de mudança e educadores dedicados e disponíveis para operar transformações.
A implantação de protótipos de comunidade de aprendizagem marcará a transição de práticas radicadas no paradigma da instrução para práticas fundadas nos paradigmas da aprendizagem e da comunicação, propiciadoras de um desenvolvimento local sustentável, e de educação integral: o contemplar da multidimensionalidade da experiência humana – afetiva, ética, sócio emocional, cultural, intelectual, espiritual.
O Grupo de Trabalho analisou e aprovou o teor de uma minuta de Termo de Autonomia, e será de esperar a sua publicação, para breve. Gozando de efetiva e responsável autonomia, revistos os regimentos, os projetos das escolas adequarão as suas práticas ao teor dos seus projetos político-pedagógicos e a novos modos de conceber e fazer educação, integrando-se culturalmente e articulando os saberes escolares com os saberes comunitários.
Recomenda-se, também, a continuidade dos encontros presenciais e o acompanhamento virtual dos processos formativos, para o que será necessário estabelecer tempos e espaços específicos, contornando dificuldades sentidas no decurso do período a que este relatório se refere.”
E por aí seguia o tal “relatório”.
James Doty dissera que o coração era um órgão inteligente:
“Começa a provar-se cientificamente o que diziam os líderes espirituais: a ligação entre a mente e o coração, que está ligado ao nervo vago, situado entre a base da cabeça e o tronco cerebral.
Estes dois órgãos comunicam entre si através do sistema nervoso autónomo, que é formado por dois sistemas, o simpático e o parassimpático.
A mente é poderosa, mas é a compaixão que nos transforma.”
Face ao descalabro do sistema de ensino, decidimos agir, ficar do lado das crianças. Amorosa e corajosamente, juntamos a razão com a emoção. E o dia 12 já se aproximava, para partirmos da sala de aula para uma nova construção social de aprendizagem.
Pois, então, que viesse, para, pacifica e tranquilamente, desobedecermos.
Por: José Pacheco
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