Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXIX)

Icaraí, 7 de agosto de 2043

Netos queridos, nesta cartinha retomo a transcrição de parte de um relatório produzido nos idos de vinte. Espero que possais ver poesia onde a prosa, por vezes, se torna endurecimento do discurso. 

Não terá sido por acaso que escolhi este “estudo de caso”. A situação naquele município era idêntica à de todos os outros municípios brasileiros e portugueses. De nada valeria insistir numa via reformista, de reinventar ou revogar “novos ensinos médios”, que já nasciam velhos.

No velho ensino médio igual ao “novo”, um jovem desabafava:

“No ano passado houve aprovação automática. A gente não aprendeu nada, mas passou. Neste ano, os professores fizeram greve e a gente é que paga. Agora, também temos aula ao sábado.”

Desde há mais de meio século, eu questionava:

“Por que há ensino médio, ou secundário?” 

A esta e a outras perguntas, nenhuma resposta obtive de agentes de um sistema sem sentido. Decidimos recriar o sistema de ensinagem, gradualmente, o substituindo por um sistema de aprendizagem, para que não mais a seres humanos fosse negado o direito à educação. O “relatório” disso nos falava:

“Durante o período em que exerci funções técnicas no domínio da criação de comunidades de aprendizagem, a par do desenvolvimento de tarefas que me foram atribuídas, verifiquei que ainda prevalecia nas escolas um modelo de ensino obsoleto, causa de analfabetismo literal e funcional e de outras exclusões. 

Mas, dentro dos limites impostos pelas circunstâncias, pude intervir de modo a identificar um significativo potencial de mudança e educadores dedicados e disponíveis para operar transformações. 

A implantação de protótipos de comunidade de aprendizagem marcará a transição de práticas radicadas no paradigma da instrução para práticas fundadas nos paradigmas da aprendizagem e da comunicação, propiciadoras de um desenvolvimento local sustentável, e de educação integral: o contemplar da multidimensionalidade da experiência humana – afetiva, ética, sócio emocional, cultural, intelectual, espiritual. 

O Grupo de Trabalho analisou e aprovou o teor de uma minuta de Termo de Autonomia, e será de esperar a sua publicação, para breve. Gozando de efetiva e responsável autonomia, revistos os regimentos, os projetos das escolas adequarão as suas práticas ao teor dos seus projetos político-pedagógicos e a novos modos de conceber e fazer educação, integrando-se culturalmente e articulando os saberes escolares com os saberes comunitários. 

Recomenda-se, também, a continuidade dos encontros presenciais e o acompanhamento virtual dos processos formativos, para o que será necessário estabelecer tempos e espaços específicos, contornando dificuldades sentidas no decurso do período a que este relatório se refere.”

E por aí seguia o tal “relatório”.

James Doty dissera que o coração era um órgão inteligente:

“Começa a provar-se cientificamente o que diziam os líderes espirituais: a ligação entre a mente e o coração, que está ligado ao nervo vago, situado entre a base da cabeça e o tronco cerebral. 

Estes dois órgãos comunicam entre si através do sistema nervoso autónomo, que é formado por dois sistemas, o simpático e o parassimpático.

A mente é poderosa, mas é a compaixão que nos transforma.”

Face ao descalabro do sistema de ensino, decidimos agir, ficar do lado das crianças. Amorosa e corajosamente, juntamos a razão com a emoção. E o dia 12 já se aproximava, para partirmos da sala de aula para uma nova construção social de aprendizagem. 

Pois, então, que viesse, para, pacifica e tranquilamente, desobedecermos.

 

Por: José Pacheco

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