São Francisco, 8 de agosto de 2043
Ao longo de meio século, encontrei muitos professores vivos e incomodados. Conscientes de que “dando aula”, os seus alunos não aprendiam, tomavam a decisão ética de mudança de prática. E eu os convidava para a reelaboração da sua cultura pessoal e profissional, para uma “trans-formação vivencial”.
No dia 12 de agosto de há vinte anos, teve início mais um ciclo de trans-formação. A Zizi enviou-me um WhatsApp:
“Vamos colocar nas redes sociais: Novas Construções Sociais de Aprendizagem e Educação – 11:00 às 12:00, horário de Brasília / 15:00 às 16:00, horário de Portugal – videochamada: https://meet.google.com/jrj-bfyu-hji”
E eu recomendei aos participantes do encontro que, antes de sábado, analisassem um vídeo:
“O desprestígio da MORAL na SOCIEDADE DA DESCONFIANÇA – Clóvis de Barros Filho – YouTube”
A maioria dos professores estava cativa de um adestramento cognitivo gerador de insegurança e se protegiam, se acomodavam, sacrificando princípios morais e éticos.
Como toda a aprendizagem, a formação moral decorria do exemplo, da imitação. Como costumava dizer, o professor não ensinava a quilo que dizia, mas aquilo que era. A aprendizagem era “antropofágica”. Não se aprendia “matéria” na sala de aula, aprendia-se a pessoa do professor, o que ele era, os seus valores.
Perguntastes por que tanto falei de desobedecer e se a desobediência não será sinal de má educação. Poderia sê-lo. Porém, neste caso não o era. Ou não vos lembrais do que aconteceu na Ponte dos anos setenta?
A diretora me ordenava que voltasse para a sala de aula. Os delegados e secretários me impunham a prática de um modelo educacional, que eu recusara. Evocando o meu dever de obediência hierárquica, os inspetores do ministério ameaçavam com processos disciplinares.
Se a coragem me tivesse faltado e tivesse obedecido, a Escola da Ponte não viria a ser conhecida como exemplo, nem seria exemplo para novos projetos.
A amorosidade enredada com a coragem me fez desobedecer. Tal como no abril de há setenta anos, quando o vosso avô pacifista foi ajudar a fazer a Revolução dos Cravos.
A intuição pedagógica nos guiou, nos primeiros tempos do “Fazer a Ponte”. Quando Freinet nos começou a mostrar haver ciência no nosso projeto, nas ciências da educação fundamentamos o “Fazer”. Depois, a desobediência civil se apoiou na Lei de Bases, publicada em oitenta e seis. Tinha valido a pena desobedecer.
Essa decisão se radicou na primeira das minhas crises, quando me apercebi de que “dando aula” eu não ensinava. Eu fingia que ensinava e os meus alunos fingiam que aprendiam. E ficavam privados do constitucional direito à educação.
No seio dessa crise moral, eu só teria dois caminhos: mudar a minha prática, para que todos aprendessem, ou mudar de profissão.
Por isso, não surpreendia que o “relatório” de que já vos falei isto dissesse:
“Estando assegurada a sustentabilidade legal e científica do projeto, as práticas educativas fundamentar-se-ão naquilo que de útil houver nas práticas instrucionistas e nos paradigmas da aprendizagem e da comunicação, contemplando o desenvolvimento no domínio pessoal e sócio moral, apoiando a redefinição do papel do professor, na transição entre o modelo “tradicional” e uma profissionalidade assente na prática da mediação pedagógica, assegurada pelo “designer educacional”, através de projetos de produção de vida e de sentido para a vida.”
Amanhã, vos darei a conhecer o final do longo “relatório”. Agora, vou conversar com a Vovó Ludi, pois se deixou envolver por mais um projeto e deve precisar de ajuda.
Por: José Pacheco
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