Itaipuaçu, 10 de setembro de 2043
A Patrícia está sempre atenta ao conteúdo destas cartinhas. E, por volta de julho deste ano, enviou-me uma missiva que é, em tudo, contrastante com lamentações praticistas e omissões teoricistas.
Já na Grécia de há milhares de anos havia quem acreditasse serem os seres humanos capazes de buscarem – em si próprios e entre os outros seres – a perfeição possível. A Patrícia é a bondade em pessoa e a tradução fiel da solidária palavra “amigo”, que Saint-Exupéry aclara:
“A pedra não tem esperança de ser outra coisa que não pedra. Mas, ao colaborar, ela congrega-se e torna-se templo”.
Escutai a Patrícia:
“Em 2023, mesmo quando os desafios diários nos apontavam para a descrença, o desânimo e testavam a nossa capacidade de resiliência, lembro-me de que mantínhamos a esperança, até uma certeza de que havia saída, de que as transformações eram possíveis, de que conseguiríamos tornar o processo de construção do conhecimento em algo realmente humano.
A Escola da Ponte Há muito nos inspirava e mostrava o quanto era possível. Nessa época, estávamos ousando o início de um novo caminhar. E, para estar em um novo lugar de exercício das práticas, era preciso atualizar os modelos do “professorar” que tínhamos como referência na nossa vida acadêmica, desde a Educação Infantil até à Universidade.
Quase todos os educadores atuavam nas salas de aula daquele tempo. E, para ter acesso à informação, era preciso ir pra escola para assistir aula, ouvir o que os professores tinham para falar, abrir livros didáticos.
Muitos eram os professores que tinham o desejo da mudança, mas também muitos receios. Tinham sido alunos universitários em um modelo de educação bancária. E era preciso, sem modelos ou referências para copiar, ser um professor que mediasse a relação do aprendente com os objetos do conhecimento e com os saberes necessários para se constituir enquanto ser humano pleno, livre, integral, multidimensional.
Era como se tudo que eles tinham se preparado para ser e fazer, não tivesse mais valor ou importância. Esse medo e o ressentimento de achar que o seu saber estava sendo desvalorizado impediam os professores de perceber que o seu fazer pedagógico diário se tornava ainda mais importante, grandioso.
A tutoria era o que fazia a grande diferença na caminhada de cada educando. Esse novo lugar do professor exigia dele a habilidade de ouvir, acolher e auxiliar cada indivíduo em sua necessidade específica, algo muito mais complexo do que transmitir um conteúdo a um grupo de pessoas.
Os alunos dessa época estavam reagindo inconscientemente ao sistema conteudista, que privilegiava as aulas expositivas com: falta de interesse, conversa excessiva, indisciplina, baixo rendimento escolar, desrespeito à pessoa e ao profissional em sala de aula.
Todo esse cenário estava adoecendo os professores. E aquilo que começávamos a experimentar era esse novo lugar de Ser, tão mais humano e confortável para alunos e professores, era o remédio que precisávamos para que a vida fluísse com mais leveza, para que o direito e o prazer de aprender e de auxiliar o outro se desenvolvesse.
(Estes foram alguns dos “insights” e reflexões ocorridas durante a reunião de avaliação com as famílias dos alunos da turma-piloto “Herdeiros do Futuro”).
A Patrícia é um daqueles seres que veem as realidades com olhares para além do que existe, com olhos de apoena, desvendando o porvir de que o Almada nos fala na terceira das suas Quatro Manhãs: “Quando cheguei aqui o que havia estava no fim / e o que estava por vir andava disperso pelo sonho de alguns.”
Por: José Pacheco
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