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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCDII)

Icaraí, 29 de outubro de 2043

Queridos netos,

Ontem, certamente, sentistes o travo amargo presente na evocação da partida da minha amiga Rosinha. Há dias assim, cinzentos, marcados por uma infinita tristeza. 

Ao longo da minha já longa existência, tal como qualquer ser humano, aprendi a transcender o desgosto, a sofrer metamorfoses e, sem ver um mundo cinzento com lentes cor-de-rosa, fiz jus à memória de entes queridos, ajudando a pintá-lo com claridades. 

Transmutemos a dor das perdas em cenário de regeneração. Percorramos o “Caminho de Santiago”, evocado por José Saramago:

“No meio da paz noturna, entre os ramos altos da árvore, uma estrela aparecia-me, e depois, lentamente, escondia-se por trás de uma folha, e, olhando eu noutra direção, tal como um rio correndo em silêncio pelo céu côncavo, surgia a claridade opalescente da Via Láctea.”

Na mesma senda de renovação, Renato Braz cantava, apontando o Sul, norteando a Terra: 

“Quem me dera / Olhar as estrelas / Sem pensar nas cruzes ou nas bandeiras / Quem dera as luzes da Via-Láctea / Iluminassem as cabeças / E acendessem um sol em cada pessoa / Que aquecesse o sonho e secasse a mágoa.”

Era essa a sina de quem, nascido num cantinho de Universo chamado Terra, logo após uma “Segunda Guerra”, iria viver quase um século de intermináveis guerras. 

Eram mais as guerras surdas do que aquelas que eram escolhidas para mostrar. Uma delas, talvez a menos visível, era aquela que opunha pessoas como a Rosinha a um submundo feito de egoísmo e fundamentalismo: o educacional.

Animado pelo romântico espírito do “maio de 68” e ansiando por um pouco de Paz, um improvisado Dom Quixote (sem Sancho Pança) havia quebrado lanças contra moinhos de vento. Quando, meio século depois, lhe restava um breve sopro de vida, sem prescindir de um romantismo que nos punha alerta, conspirou. Foi tempo de surgimento (ou ressurgimento) de assembleias. Demos-lhes o nome de ARCA (Assembleia de Redes de Comunidades de Aprendizagem).

Em Portugal, o amigo Luís reuniu companheiras e companheiros de uma sã aventura. Depois… depois vos contarei, em próximas cartinhas.

No Brasil desse tempo, o vosso avô acompanhava a Vovó Ludi, que, por sua vez, acompanhava a evolução das conferências preparatórias de um novo Plano Nacional de Educação. 

A primeira impressão era a de que o novo plano já nascia velho. No município X, por exemplo, debatia-se o Eixo IV, o da gestão democrática. A reivindicação básica era a da eleição direta de diretores. 

Era nobre a intenção, para evitar que a baixa política continuasse a controlar esse processo. E era crença generalizada que, substituindo a “indicação política” pelo exercício de votar e eleger, seria instituída a gestão democrática nas escolas e no sistema. Puro engano! Em Portugal, há muito tempo já, se conseguira eleger os diretores. Porém, os diretores permaneciam dependentes do dever de obediência hierárquica, novas e sutis formas de controle eram exercidas. 

O debate operado nas conferências pecava por “não sair da caixa”, não conseguia escapar do círculo vicioso imposto por um sistema hierárquico e autoritário. A consequência lógica seria a de não se progredir, mas voltar ao mesmo lugar – apenas se anunciava mais dez anos de tempo perdido. 

Ainda assim, continuamos assistindo a conferências em mais dois municípios. No 29 de outubro de há vinte anos, assistimos ao encerramento daquela que decorreu no município X e nos preparamos para participar na conferência realizada no município Y. Com o respeito que merecia a iniciativa, sem intervir, mas com apurado senso crítico.

(continua) 

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCDI)

São Paulo, 28 de outubro de 2043

O outubro de vinte e três findava, os conflitos não cessavam e duas desditosas notícias me chegavam. Na Palestina, quase metade das vítimas da guerra eram crianças. Em São Paulo, falecia a minha amiga Rosinha. 

Só Deus leva os que ama. E nos roubou, em plena juventude, um dos mais belos seres humanos que conheci. Ainda guardo algumas missivas recebidas dessa grande amiga, entre o tempo das visitas ao casebre do Capão Redondo até à criação da sua biblioteca, ao seu casamento e à mudança para uma casinha simples, no subúrbio da São Paulo. 

“Querido Professor, peço perdão pelo desencontro. Que pena! Queria muito conversar contigo. Mas, meu celular estava desligado, enquanto eu estava na sala de aula.

Gostaria de revê-lo. Quando o senhor voltar, a gente se vê. Quando o senhor chegar em SP, é só me ligar e eu irei ao seu encontro. Se quiser vir ficar aqui na escola, fique a vontade.

Tenha uma semana abençoada, repleta de amor e felicidade. Aproveite muito os momentos com seus netinhos.”

No rodapé dos seus e-mails, a Rosinha tinha “colado” um pedaço de texto do livro “Para Alice, com Amor”: “É simples penetrar a harmonia de um universo sem princípio nem fim, basta reconhecer esta verdade indelével no sereno respirar de uma criança.”

Conduzido pelos olhos de apoena da minha amiga Rosinha, refiz a leitura desse livrinho, pois ela via com olhos que vêem para além do que existe. Com olhos de criança, penetrava a harmonia do infinito. 

Enquanto não visitava o Marupiara, mantínhamos o contato virtual:

“Professor, ando sumida, me recuperando de uma grande dor por ter perdido o meu pai e meu avô. Sou uma pessoa movida pelo amor por outras pessoas. Quando fico sem elas, fico sem motivos para ser feliz. 

O tempo está me ensinando a viver sem meu pai. Aos poucos vou conseguir aceitar a ausência física dele.

Outras notícias mais amenas são as dificuldades para continuar aprendendo a aprender no universo da vida profissional. As coisas por aqui não andam boas. Eu também já não estou feliz aqui. Ontem, queria ter conversado mais. Mas, fiquei com medo de não ter ônibus para ir até o metrô.

Por último e a notícia linda e abençoada é que eu me casei e estou imensamente feliz com o meu amor. Ele é um homem maravilhoso!”

Partilhei e as tristezas e alegrias da Rosinha. E, sempre que ia a São Paulo, procurava disponibilizar um tempo para ir até ao Marupiara, onde a biblioteca, que a Rosinha cuidava com extremo desvelo, atraía jovens para os encantos da leitura. Colhi muitas lições de amorosidade dessa nordestina sensível e competente bibliotecária.

Em meados do mês de agosto de há vinte anos, recebi este e-mail:

“Quem te escreve é Ronaldo Barreto. Eu trabalhei por 14 anos junto com a Rosinha. Está mensagem é somente para partilhar contigo que a nossa querida Rosinha está passando por um problema grave de saúde. Ela está internada. Foi diagnosticada com um AVC.” 

Não me foi possível visitá-la no hospital. Fui sabendo do seu grave estado de saúde, até receber nova e triste mensagem do amigo Ronaldo: 

Professor, quem te escreve é Ronaldo. Recebemos a notícia de que, infelizmente, nossa querida Rosinha faleceu, uma querida amante da literatura e doce bibliotecária, que cuidava dos livros, fazendo as crianças ativas na leitura e na imaginação. 

Tristeza, Zé Pacheco! A educação fica em luto.”

Queridos netos, convosco partilho belas e tristes palavras, vos dou a conhecer a existência de um anjo que passou pela Terra. Se, anonimamente, a Rosinha se retirou do convívio dos vivos, que permaneça na memória daqueles que tiveram o privilégio de com ela conviver.

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCD)

Niterói, 27 de outubro de 3043

Em 2014, ano da aprovação do Plano Nacional de Educação 2014/2024, participei num processo de pesquisa conducente a um levantamento de situação da Educação, num estado da União. 

Por meio de entrevistas direcionadas a diretores, coordenadores e professores, com suporte de questionário estruturado, foi realizado o diagnóstico dos indicadores educacionais propostos para a educação básica (média de aluno/turma, média de horas-aula diárias, taxa de distorção idade-série, índice de escolaridade, índice de evasão escolar, índice de analfabetismo, percentual de taxa de rendimento escolar etc. Realizado o diagnóstico, elencamos conclusões e formulamos propostas. 

Durante a vigência do PNE, efetuamos idênticas pesquisas em outros municípios e estados e propusemos dispositivos para concretização das vinte metas do Plano Nacional de Educação. Em próximas cartinhas, analisarei as vinte metas do PNE 2014-2024, à luz das conclusões dessa pesquisa. Por agora, quedar-me-ei pela medida de todas as medidas: o sagrado e constitucional direito à educação.

Eram vários os obstáculos à concretização desse direito. 

A educação era um direito de todos e a matrícula dos alunos era dever dos pais.

Se um pai não efetuasse a matrícula do seu filho, seria acusado de abandono intelectual, acusado de crime de abandono intelectual. Assisti a mais do que uma situação dessa natureza, a intervenções dos conselhos tutelares e do Ministério Público. 

Mas, se os pais efetuavam a matrícula e a administração educacional a recusava, pretextando “não haver vaga”, isso não seria indício de abandono intelectual? Não configuraria crime de abandono intelectual? 

No município X, a matrícula tinha sido recusada a mais de 3000 jovens. Por que estavam em “lista de espera”?

A lei estabelecia que os jovens fossem matriculados na escola mais próxima da sua residência, e muitos jovens eram colocados em escolas a mais de três quilómetros de distância das suas casas. Qual a causa desses atropelos à lei, do incumprimento de deveres fundamentais, da negação de direitos?

Dizia-se que a escola tinha atingido a sua lotação máxima. Que as turmas estavam constituídas e não se poderia acrescentar nem mais um aluno ao quantitativo “superiormente” fixado. Que não se poderia construir mais salas de aula, até ao início do ano letivo seguinte…

Havia, até, quem dissesse que era “lei do município”, confundindo lei com regulamentação local da lei. Outras “explicações” eram dadas, no pressuposto de que escolas eram prédios compostos de salas de aula, que deveria haver a divisão dos alunos por turmas, que havia um “número de alunos por turma adequado”, que deveria haver “ano letivo”. Enfim!

Escolas não são prédios, escolas são pessoas. Por isso, perguntávamos:

Por que há salas de aula?

Por que deveria haver a divisão dos alunos por turmas? 

Qual a fundamentação científica da fixação do “número de alunos por turma”?

Por que há “ano letivo”?

Se respondiam que “era o que estava na lei”, pedíamos que nos mostrassem a lei. Aquilo que a lei mostrava era que as escolas agiam à margem da lei.

Outros questionamentos poderíamos fazer. Por exemplo, quando alguém respondia começando pela expressão “eu acho”, pedíamos que não “achassem”, que substituíssem o “achismo” por afirmações fundamentadas na lei e nas ciências da educação.

Perante situações com contornos de ilegalidade e sem fundamento científico, propúnhamos o diálogo construtivo, para que a ninguém fosse negado o direito à educação – apresentávamos propostas, em encontros e conferências.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXCIX)

Vassouras, 26 de outubro de 2043

E foi chegando o tempo de reunir, para preparar mais um Plano Nacional de Educação. Do fundo do baú da velharias resgatei uns amarlecidos papeís, mas ainda legíveis. Entre eles,  uma “notícia da edição impressa” datada de 25 de julho de 2014. A parangona não deixava dúvidas: “Pacheco vê boas intenções, mas critica PNE”:

“Uma educação do século XXI. É isso o que prega o professor e mestre português José Pacheco, que esteve nesta quinta-feira em Porto Alegre, para ministrar a palestra “A educação integral e seus desafios” (…) Em entrevista ao Jornal do Comércio, falou sobre o Plano Nacional de Educação, sancionado no dia 26 de junho pela presidente Dilma Rousseff. 

Pacheco vê o documento, que estabelece que até 2024 metade das escolas públicas do País terão turno integral, como um passo importante, mas que não contribuirá para uma verdadeira mudança da educação brasileira. A escola de tempo integral pode ser um degrau para chegar ao que eu chamo de educação integral, algo além do tempo integral, contemplando a multidimensionalidade humana. Não gostaria que nessas escolas, pela manhã, se ensinasse Português e Matemática e, à tarde, contra-turno feito de capoeira, artes, tarefa de casa, ou aula de reforço. Estou falando de uma nova construção social (…).”

Havia passado uma semana sobre o falecimento do meu amigo Rubem. No terceiro sábado de julho de 2014, os jornais noticiavam: “O escritor e educador Rubem Alves morreu aos 80 anos”. 

Me recordo de ténues referências ao documento, num congresso em que participei, lado a lado com o Rubem e o Cristovam. Mas, em 2001, raríssimos eram os encontros de reflexão e raras as vozes se pronunciando sobre o significado de um primeiro PNE. 

Nesse mesmo ano, discretamente, fui colhendo informação sobre o PNE 2001/2010. Em 2023, participei ativamente nos encontros preparatórios de um PNE, que vigoraria até 2024. Apresentei propostas, pedi prudência e coerência, durante o desenvolvimento desse plano, alertei para riscos de se repetir o desastroso desempenho do PNE anterior. 

Quatro anos decorridos, nenhuma das metas do PNE possuía dispositivos com ritmo de avanço suficiente para ser plenamente cumprida até 2024. Apenas entraves, medidas avulsas, propostas avançando em ritmo lento. Havia quem atribuísse a baixa execução das metas aos cortes orçamentários sofridos no triênio 2019-2021. Mas… “o buraco era mais em baixo”.

Nas próximas cartinhas, reservarei algumas linhas para convosco conversar sobre os PNE. Os estudos realizados sobre os PNE de 2001 e de 2014 observavam “um descompasso entre metas previstas e metas alcançadas” (os académicos adoravam eufemismos). Outros autores, como Dias Sobrinho, freireanamente denunciavam causas do “descompasso”: 

“Uma sociedade que não consegue, ou não quer, estender os benefícios da escolarização de boa qualidade para todos, além de estar condenada ao empobrecimento crescente no sistema mundial de alta competitividade, é também uma sociedade perversa”.

Ou Carlos Abicalil que, na sua dissertação de Mestrado, questionava:

“Plano Nacional de Educação na República Federativa do Brasil: instrumento de retórica ou política pública para a realização do direito à Educação Básica?”

Em 2018, se dizia que o PNE era “onde o Brasil avançava e tropeçava na Educação”. E, em 2023, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação fazia um balanço do Plano: 

“Às vésperas do final da vigência do Plano, o cenário permanece de abandono. Baixa taxa de avanço em praticamente todas as metas. E um total de 13 metas estão em retrocesso.”

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXCVIII)

Bom Retiro, 25 de outubro de 2043

Suspendi um improvável diálogo, para não alimentar animosidade. Nenhuma amizade deveria ser abalada por diferentes (ainda que estranhas) atitudes. E a atitude da professora de Chase era admirável, embora em quase nada contribuísse para operar mudança. O “exemplo” dessa professora, como o de milhares de professores, iria morrer com elas. 

A professora de Chase descrevera uma prática. Uma virtude pouco comum. A dos docentes não escrevia, não registrava prodigiosos exercícios didáticos.. Um vasto património era ignorado, porque não saía do emparedamento em sala de aula. 

Aqueles que tinham conhecimento de “novidades” visitavam-nas e usavam-nas para enfeitar teses de doutoramento. Teses que dormitavam nos armários das universidades, até que mais um candidato a doutor as “acordasse” e as citasse, talvez na intenção de fazer a “quadratura do círculo” da educação.

Distraídos andariam aqueles que, nos idos de vinte e três, tomaram como “novidade” aquilo que em Chase se fazia. Ficai sabendo que, muito perto do local da tragédia de que vos falei nas cartinhas anteriores, em 1905 (lestes bem: mais de cem anos antes da “novidade”), Alessandro Cerchiai questionara a existência de sala de aula.

Mais de um século não fora tempo suficiente para dar corpo aos seus ideais, que eram os de Zola, de Louise Michel e os princípios de Francisco Ferrer. O Mestre catalão seria vilmente executado no morro de Montjuic, os seus desígnios frustrados por sutis modos de impedir que a humanização da escola acontecesse. 

A Escola Germinal, que, em 1902, fundou no bairro do Bom Retiro, pouco mais durou do que a de Tolstói8, que o czar da Rússia mandou fechar. O sonho de uma escola elementar racionalista, para ambos os sexos, ingloriamente foi encerrada em 1904. 

Apesar de veres malogrado o seu intento, foi precursor dos precursores da Escola Nova. Hoje, apenas empresta o seu nome a uma rua de São Paulo. Os seus moradores (e a maioria dos professores) nem sequer sabem quem foi e o que fez esse Alessandro. Depois de um breve inquérito de rua, apenas um transeunte ensaiou resposta: “Alessandro? Isso é nome de jogador de futebol, não é?”. 

Na Germinal de 1902, os pais não apenas participavam com uma pequena mensalidade como intervinham na arrecadação de fundos e, de algum modo, na gestão do projeto. Decorrido mais de um século, os teóricos continuam a produzir teses sobre a relação escola-família, mas as famílias continuam marginais à vida nas escolas e são frágeis as estruturas de participação. 

Em novembro de 1904, lançava um derradeiro apelo nas páginas dos jornais:

“Pensai no futuro de vossos filhos!”. 

Reafirmava as virtudes dos métodos aplicados na sua escola. Mas, ao que parece, a população do Bom Retiro não se preocupava com a educação dos seus filhos. Nem parecia que se importasse, quando, no século XXI, os submetiam à nefasta influência de práticas sociais denunciadas ao longo de um século pródigo em práticas alternativas. 

Existia um pacto de silêncio em torno de iniciativas como o Círculo Educativo Libertário Germinal, de São Paulo, a Universidade Popular de Ensino Livre, do Rio de Janeiro, as Escolas Modernas de São Paulo e de Bauru, todas da primeira década do século XX. As faculdades de educação não informavam os futuros professores de Porto Alegre que, em 1906, havia por lá uma escola com o nome de Elisée Reclus. E quem ouviu falar da Escola Germinal, do Ceará, da Escola Social, de Campinas, da Escola Operária, de Vila? 

Triste realidade a da ignorância de um passado feito de extraordinárias (e perecíveis) iniciativas.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXCVII)

Morro do Estado, 24 de outubro de 2043

Por alguns dias do outubro de há vinte anos, mantive contato epistolar com alguém que eu muito estimava, comentando e formulando perguntas jamais respondidas. 

Dizia ao meu querido amigo, que com ele concordava – o depoimento de Chase era extraordinário –, mas discordando do seu entusiasmo. 

Parece que a velhice nos devolve alguma serenidade. Serenamente, pedia que me fossem dadas razões para a manutenção de um sistema obsoleto e iníquo, aquele que tinha por dispositivo central a sala de aula de… Chase. Já estava saturado de paliativos assimilados pelo “sistema”, digeridos e servidos como se de inovação se tratasse. 

À distância de duas décadas, já consigo comentar sem quase deixar transparecer a irritação, apenas com resquícios de indignação. Naquele tempo, eu manifestava perplexidade perante o obsceno silêncio dos meus companheiros das ciências da educação. Não conseguia digerir omissões, discurso de acariciamento do ego dos professores, nem processos de naturalização – a educação familiar, a educação social e a escolar eram corresponsáveis pelo caos. 

Por inverosímil que vos possa parecer, queridos netos, as instâncias de poder eram surdas a argumentos de natureza científica. E a escola da aula reproduzia um modelo social gerador de exclusão, “naturais” solidões, o aumento dos casos de automutilação e o crescimento exponencial do suicídio de jovens. 

Pela sua natureza, a escola da sala de aula contribuía para agudizar os efeitos de uma globalização neoliberal, que remetia o ser humano para bolhas sociais feitas de ostentação, miséria e solidão. E eu não conseguia entender a exaltação do meu amigo e o porquê dos encómios. 

Meu Deus! Esta mulher brilhante assistiu Columbine sabendo que TODA VIOLÊNCIA COMEÇA COM DESCONEXÃO. Toda a violência exterior começa como solidão interior. Ela viu aquela tragédia SABENDO que as crianças que não estão a ser notadas acabarão por recorrer a serem notadas por qualquer meio necessário.

E o que esta matemática aprendeu, ao utilizar este sistema, é algo que ela realmente já sabia que tudo – até o amor, até mesmo o pertencimento – tem um padrão. E ela encontra esses padrões através dessas listas – ela quebra os códigos de desconexão. E, então, ela sente crianças solitárias e a ajuda que eles precisam. É matemática para ela. Tudo é amor – até matemática. Incrível!

O professor de Chase aposenta-se este ano – depois de décadas a salvar vidas. Que maneira de passar uma vida: procurando padrões de amor e solidão. A intervir todos os dias e a alterar a trajetória do nosso mundo. Vocês são os detetives de desconexão e a ÚNICA esperança que temos para um mundo melhor. 

O que fazes nessas salas de aula, quando ninguém está a ver, é a nossa melhor esperança (…) a esperança de salvar mais crianças. O que a professora de Chase está a fazer, quando se senta na sua sala vazia a estudar aquelas listas escritas com mãos tremidas, é SALVAR VIDAS. Estou convencido disso. Ela está salvando vidas.”

Pura ilusão! Talvez essa professora conseguisse salvar vidas ao seu alcance. Porém, ao não questionar a origem das violências, contrariava aquilo que, nos idos de vinte, a minha amiga Helena dissera:

“Precisamos de uma estrutura que garanta a interação pessoal educador-estudante, a experiência coletiva da construção do bem comum, do diálogo, da convivência, do cuidado com o outro, da diversidade. 

Se os prédios e a velha estrutura chamada enturmação não servem para isso, utilizemos todos os recursos disponíveis, inclusive os tecnológicos, que, agora, os professores conhecem”.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXCVI)

Ipê, 23 de outubro de 2043

Pela grande amizade que nutria por um bom amigo, eu hesitava entre agir como “Advogado do Diabo” (a Vovó Ludi não permitia que o fosse), ou ser o Grilinho do Pinóquio. Fosse como fosse, não me omitia, não me quedava neutral face ao teor daquilo que suscitou um “Uau!” desse amigo:

“A professora de Chase está à procura de crianças solitárias. Ela está à procura de crianças que têm dificuldades para se conectar com outras crianças. Ela está a identificar os pequenos que estão a cair nas fendas da vida social da turma. Ela está descobrindo que dons estão passando despercebidos pelos seus pares. E ela está a identificar quem está a sofrer bullying e quem está a fazer o bullying.”

Cadê a novidade? Porquê um “Uau!”, se todas as escolas deveriam ser espaços produtores de culturas singulares, mas também espaços de múltiplas interações, cooperação, partilha, comunicação, algo impossível em sala de aula. 

Nos idos de vinte as escolas eram, quase sempre, espaços de solidão. E a solidão dos professores era da mesma natureza da solidão dos alunos. Só os “utópicos” ousavam criar solidários laços. Já o dissera nas “Cartas para a Alice”:

“Nos idos de vinte, a solidão era, muitas vezes, o destino de pássaros a quem calhava por sina o conhecimento e a bondade. E poder-se-ia chamar instintivo ao ato paciente e fraterno de juntar um galho a outro galho, até se completar um ninho. Eu diria ser mais um ato religioso – Que mania a dos humanos seres a de considerar não ser da natureza dos pássaros o re-ligare!” Continuemos a leitura do adorado textinho:

“É como tirar um raio-X de uma sala de aula para ver debaixo da superfície das coisas e dentro dos corações dos alunos. É como minerar por ouro – sendo o ouro aqueles pequenos que precisam de uma pequena ajuda – que precisam de adultos para intervir (…) como participar de um grupo ou como partilhar os seus dons com outros. E é um dissuasor do bullying porque todos os professores sabem que o bullying geralmente acontece fora do seu olho – e que muitas vezes as crianças que sofrem bullying são demasiado intimidadas para partilhar.”

Que adiantava “tirar um raio-X de uma sala de aula”, se a professora insistia em, solitariamente, permanecer em sala de aula, espaço e tempo de produção de “bournout”? 

Em 1994, um jovem de 17 anos se matou dentro de seu Ford Mustang amarelo. Esse adolescente cometeu suicídio por não saber pedir ajuda. Durante o enterro, os pais distribuíram cartões com fitas amarelas para todos os presentes, onde estava escrita a frase “Se você está pensando em suicídio, entregue este cartão a alguém e peça ajuda!”. 

O jovem suicida estava sozinho, tal como a criança, de que vos falei em outra cartinha e que se suicidou com veneno de escaravelho. Face a essa tragédia, na Ponte, muito antes da redação do textinho, que venho citando, procuramos identificar os motivos pelos quais uma criança pudesse pôr fim à vida. Descobrimos que as escolas eram arquipélagos de solidões.

Urgia eliminar insularidades, para salvar vidas. Criamos dispositivos como o “Tutor”, a “Caixa dos Segredos” e o “Preciso de Ajuda”, que abreviaram e extinguiram situações de discreto sofrimento. Como vos disse, ao instituirmos canais de comunicação, alteramos o grito do Pedro, às margens do Ipiranga, para… “Interdependência, ou Morte”.

Aquela adorável professora dissera que cumpria o ritual de “toda sexta-feira à tarde, desde Columbine”. Desde Columbine, foram inúmeras as invasões de escolas, assassinatos de professores e alunos. A carnificina continuava, nos idos de vinte e três – vinte e quatro anos após Columbine!

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXCV)

Sapopemba, 22 de outubro de 2043

Nos jornais, na televisão, na Internet, repercutia a infausta notícia: 

“Ataque em escola de Sapopemba deixa aluna morta. Outras duas estudantes foram baleadas.”

O jovem agressor só feriu meninas. Por acaso? O seu advogado disse que “o adolescente abriu fogo, porque sofria homofobia. Investigações indicam que o adolescente era alvo de agressões de outros alunos e que se usou arma do pai, para se vingar

“Uma câmera de segurança registrou o momento em que ele entra em uma sala cheia de alunos e atira. Giovanna Bezerra, de 17 morreu com um tiro na cabeça. O agressor se entregou à polícia.

Jéssica Mattos, mãe de uma estudante da escola, contou que adolescente era constantemente alvo de humilhações e agressões: “Ele era alvo de bullying.”. Um vídeo gravado dentro de uma sala de aula mostra o adolescente sendo agredido por duas meninas. Ele leva vários tapas no rosto e puxões de cabelo e revida as agressões, puxando as meninas pelos cabelos e as empurrando. 

O secretário da Educação disse que o atirador não era identificado pela escola como agressor e não foi atendido por psicólogas. A escola começou a ser atendida em agosto por uma psicóloga, mas o aluno atirador não chegou a ser encaminhado para atendimento.

O aluno contou ainda que não tinha intenção de atirar na aluna que morreu, já que ela não participava das agressões contra ele. O advogado informou também que em abril a mãe do atirador registrou boletim de ocorrência sobre as agressões sofridas. Mas, a única coisa que a escola fez foi dizer para a mãe trocar [o filho] de escola”, disse o advogado.

O atirador estava em um grupo do Discord, plataforma de mensagens popular entre jovens e jogadores de videogames que está envolvida em várias denúncias contra grupos que promovem conteúdo de ódio e incitação a assassinatos.

O governador de São Paulo ressaltou que a unidade em Sapopemba contava com ronda escolar. “É um momento de a gente fazer uma profunda reflexão sobre a efetividade daquilo que a gente tem colocado em prática desde a ocorrência em março, na Vila Sônia”. 

Ele e o secretário de Educação disseram que pretendem contratar mais psicólogos para atendimentos na rede de ensino. Também disse que 175 tentativas de ataques foram evitadas com sucesso pela polícia desde março.”

“Cruzei” a trágica notícia com excertos do textinho recebido do amigo Celso:

“Todas as sextas-feiras à tarde, a professora de Chase pede aos seus alunos que tirem um pedaço de papel e escrevam os nomes de quatro crianças com as quais gostariam de se sentar na semana seguinte (…) também pede aos estudantes que nomeiem um estudante, que acreditem ter sido um cidadão excecional de sala de aula naquela semana.”

Perguntei e esperei respostas: 

Porquê só à sexta-feira e só para “quatro crianças”?

Para “se sentar”?

O que é um “cidadão excecional de sala de aula”?

Queridos netos, talvez não saibais, mas toda a prática tinha por retaguarda uma teoria (ou várias). Aquela professora agia amorosamente e por intuição, talvez sem saber que praticava arremedos de sociometria, uma ferramenta analítica para estudo de interações entre grupos – foram os estudos de Moreno sobre a relação entre estruturas sociais e bem-estar psicológico a origem remota das ciências das redes sociais. 

Sem se libertar do gueto sala de aula, essa maravilhosa professora, procurava alunos solitários, quem “nunca era notado o suficiente para ser nomeado”. Solitária, contribuía para prolongar obsoletas práticas. Ingenuamente, praticava técnicas paliativas de um sistema de ensino, origem próxima de muitas tragédias.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXCIV)

São Paulo, 21 de outubro de 2043

Um vídeo “viralizava” nas redes sociais de outubro de há vinte anos. Nele, um jovenzinho armado de pistola disparava contra a cabeça de uma menina, matando-a. Outros jovens corriam, buscando refúgio. A trágica situação já se tornara rotina de voyeurs. E, por que estarei eu, queridos netos, a evocar tão infausto acontecimento?

A resposta é simples. Há vinte anos, atribuía-se aos autores dos atentados a origem de tresloucados hábitos. Tinham sido objeto de bullying e se vingavam. Sofriam de perturbações mentais. Padeciam de “psicoticismo”. Revoltavam-se por terem reprovado…

Um senhor chamado Eysenck (norte-americano, como é bom de ver) concebeu uma teoria baseada na fisiologia e na genética. Embora fosse behaviorista, afirmava que as diferenças de personalidade resultavam de uma herança genética. Eysenck acreditava que altos níveis de “psicoticismo” – padrão de personalidade tipificado por agressividade e hostilidade interpessoal – estavam ligados ao aumento de psicose e esquizofrenia. 

Outras teorias “explicavam“ o insucesso escolar: falta de acompanhamento da família, problemas cognitivos do aluno, falta de livros e de condições de estudo em casa, pobreza extrema, parentes analfabetos… E nada se dizia de razões ligadas ao socioinstitucional. 

Isso mesmo: talvez a origem do insucesso escolar e de múltiplas tragédias estivesse nas práticas impostas pelo sistema de ensino. Talvez encontrássemos no trabalho de sala de aula prussiana a causa última. Infelizmente, havia professores cujas “boas práticas” contribuíam para criar uma “cortina de fumaça”, que não deixava ver quanta violência simbólica cabia nos prédios feitos de salas de aula e a que, indevidamente, chamavam “escola”.

Há setenta anos, eu lera Bordieu, Passeron, Giroux e outros sociólogos críticos do sistema. E, já há mais de quarenta anos, eu já escutava o Perrenoud dizer que o fracasso escolar se devia a práticas de professores que não reconheciam as suas dificuldades de ensinagem, encarando o insucesso dos alunos “como a simples consequência de dificuldades de aprendizagem e como a expressão de uma falta ‘objetiva’ de conhecimentos e de competências” (sic). 

Para além de vovô babado, o meu bom amigo Celso prendava-nos com uma generosidade sem limites. Nas redes sociais, oferecia-nos reflexões, estórias exemplares, como aquela que nos reencaminhou, no outubro de há vinte anos, acompanhado de um “Uau! Incrível!”. Lede.  

“Este é um artigo que precisa de ser repetido: Todas as sextas-feiras à tarde, a professora de Chase pede aos seus alunos que tirem um pedaço de papel e escrevam os nomes de quatro crianças com as quais gostariam de se sentar na semana seguinte. 

As crianças sabem que esses pedidos podem ou não ser honrados. Ela também pede aos estudantes que nomeiem um estudante, que acreditem ter sido um cidadão excecional de sala de aula naquela semana. Todos os boletins de voto são submetidos a ela em particular.

E todas as sextas-feiras à tarde, depois de os alunos irem para casa, a professora de Chase tira aqueles pedaços de papel, coloca-os à frente dela e estuda-os. Ela procura padrões.”

Comentei o “post” do meu amigo – os brasileiros amavam anglicanismos; não por acaso, Chase era um termo estadunidense e um nome de mochila escolar… –, esperançoso de que o meu amigo acolhesse o comentário como respeitoso exercício dialético. 

Na cartinha de amanhã, vos contarei o sucedido. Mais do que uma proposta de debate, o vosso avô pretendia que acontecesse diálogo fundamentado e fraterno entre dois “avôs babados”.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXCIII)

Ouro Preto, 20 de outubro de 2043

Mais uma vez por terras de Minas, ao encontro de educadores com quem vale a pena dialogar. Naquele outubro, conheceria uma secretária de educação que se preocupava, não só com o que os seus professores detinham como conhecimento técnico, mas, sobretudo, com a pessoa do professor.

Naquele tempo, o modismo era a formação dos professores no âmbito sócio emocional. Parecia haver grande preocupação com o sócio emocional dos alunos. Mas, quem se preocupava com o sócio emocional dos professores?

“Ele entrou e logo começou a atirar. Era um menino que tinha sofrido bullying (a gente corria pelo corredor e atá pisava uma menina que já estava morta…” – neste dia de há vinte anos, num áudio recebido pelo WhatsApp , numa voz trémula, chorando, uma professora descrevia o modo como se salvara. Já se tornara rotina a  dramática situação por que passara.

A Jaqueline partilhou uma frase do amigo Ailton. E o Valentim comentou:

“Cada vez mais, o espaço da Educação nos processos educativos é restringido de “experiências mágicas de Existir”, que são ações humanas, relações humanas, afetivas e amorosas. Cada vez mais, os conteúdos curriculares não param de chegar nas universidades. Cada vez de forma mais intensa chega um conteúdo “novo” batendo a porta das universidades e todos esses “novos” conteúdos são títulos de Doutores, que carregam na moldura uma identidade de um Sapiens domesticado. 

Precisamos dar um basta nos conteúdos, precisamos urgentemente compreender que educar é um ato humanizador. Conteúdos essenciais são aqueles que nos auxiliam a desfrutar dessa incrível e única experiência chamada vida.”

Quando, nos idos de vinte e três, eu dizia estar cansado e pretender descansar de tantas lutas travadas, apenas havia desistido de tentar melhorar um sistema que não tinha remédio. Permaneci na faina de cuidar do ser humano professor, para que ele, devidamente, cuidasse dos seus alunos. Pretendia contribuir (em equipe), para a humanização de seres humanos.

Já entre o final do século XIX e o início do século XX, houve quem quisesse fazer da Pedagogia, para além de Arte, uma ciência. Mas, tentativas de humanização se saldaram por “adaptações” mais ou menos conformistas aos ditames do “sistema”.

Os montessorianos permaneceram cativos da sala de aula, juntando aos materiais concebidos pela Maria, o seu agudo olhar: “segue a criança”. Mais de cem anos após se terem instalado numa fábrica de tabaco, os steinerianos tentavam a seu modo, humanizar o ato de educar. Freinetianos organizaram-se e criaram o “Movimento da Escola Moderna”. Porém, as promessas de uma “Escola Nova” definhavam. 

No dealbar do século XXI, embora a Imprensa Freinet, os Materiais Montessori e a Euritmia de Steiner tivessem operado transformações, os seguidores de Steiner, Montessori e Freinet permaneciam solitários em salas de aulas. E, à semelhança daqueles que nem sequer haviam adotado preceitos escolanovistas, a maioria dos professores continuava dando aula, inconscientemente (quero crer!), desumanizando.

Já vos confessei a minha angústia de dador de aula. Quando eu as dava, não era eu quem ali estava. Era um clown, que cumpria um guião (o chamado “planejamento”), que eu havia escrito no dia anterior. Não me sentia autêntico, mas um ator. Não estava presente, eu atuava perante um frontal anônimo separado por um vazio constitutivo. Tentava transmitir informação do melhor modo que o sabia fazer, tal como qualquer dador de aula. Mas, não havia comunicação. Não chegava a cada um dos seres humanos a quem me dirigia. Não comunicava.

 

Por: José Pacheco

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